segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

CONSTRUÇÕES MEDIÁTICAS

 



(Este fim de semana tivemos um fartote de rituais partidários. O PS realizou o seu Congresso de consagração de Pedro Nuno Santos como novo líder do partido e no domingo, em jeito de contra-registo mediático, a AD de Montenegro, Melo (como estava contente o homem por regressar à ribalta televisiva) e do inenarrável Gonçalo da Câmara Pereira, um dos últimos moicanos do PPD e do marialvismo português, apresentou-se ao que vinha, a pensar no 10 de março próximo. Não é novidade para ninguém que, apesar da minha veia política, não tenho grande pachorra para rituais partidários e, por isso, o tempo que passei nos écrans a seguir as duas iniciativas foi mínimo. Por isso, as minhas reflexões são sempre obrigatoriamente distantes e sem qualquer capacidade de mobilizar evidência que tenha sido visível nos diretos ou nas cansativas entrevistas que os microfones em riste tendem a realizar. O valor acrescentado dessas possíveis incursões seria negligenciável, dada a ampla cobertura que os jornais e televisões fizeram dos dois eventos. A reflexão que fica é distante dos minutos vivenciais do Congresso do PS e da apresentação da AD na Alfândega, segundo critérios editoriais que são os meus e de mais ninguém.)

 

Uma primeira reflexão insere-se num contínuo noticioso que precedeu a “investidura” de Pedro Nuno Santos. Devo dizer que estou convicto que a direita da AD agora reunida neste casamento de conveniência, mais para o CDS do que para o PSD, esperaria que a sucessão de António Costa fosse mais conflituosa no plano interno. Ora não foi isso claramente que se passou. A luta eleitoral entre PNS e José Luís Carneiro (JLC) foi serena, talvez até morna demais para meu gosto, e o Partido acabou por dar uma imagem de unidade, talvez surpreendente para muitos. Acho, entretanto, que as cabeças pensantes do PS tiveram a perceção da gravidade do momento e perceberam que não era tempo de espingardear para o ar sem critério e sumo eleitoral. E, a facilitar essa perceção, o Ministério Público conseguiu o impensável de proporcionar uma retirada a António Costa que lhe permitiu com segurança ocultar as debilidades da última governação. Essa aceitação e espécies de louvores ultrapassaram os muros do Partido e Costa até se deu ao luxo de fazer no Congresso um dos seus melhores discursos. A animosidade mediaticamente concebida entre Costa e PNS desapareceu quase por magia e não me recordo de uma unidade tão efetiva no Partido como a que resultou do Congresso.

Deste ponto de vista, a construção mediática de uma conflitualidade para aquecer o ambiente dissolveu-se e a comunicação social teve de voltar-se para outra coisa.

Obviamente que a nova construção mediática teria de se concentrar na figura do próprio PNS. E de facto aqui temos um paradoxo. Até à sua improvisada e quase caótica saída do Governo de PNS, a comunicação social trabalhou sobretudo o potencial comunicacional da imagem de rebeldia e juventude políticas que ele protagonizava como “challenger” de um político mais tradicional como António Costa. A nossa comunicação social gosta deste tipo de lideranças e foi com base nessa avaliação algo apressada que muitos jornalistas e comentadores da nossa praça anteciparam que JLC iria ser arrasado na luta eleitoral interna. Não o foi, como sabemos. Como os impulsos de discórdia com JLC e António Costa se dissiparam por uma inteligente tática política do PS, a comunicação social começou imediatamente a preparar uma nova construção mediática – PNS seria um tigre de papel, com muita retórica e pouco sumo de propostas políticas. Comunicacionalmente, a rebeldia passaria a deixar de contar e o discurso começo a generalizar-se de que muita parra e pouca uva sairia do Congresso.

Sou dos que não acredito muito que no fulgor e impetuosidade dos Congressos haja grande oportunidade para apresentar ideias políticas que podem marcar um novo ciclo de governação. PNS resistiu a essa tentação e deixou no seu último discurso, o de domingo, apenas um cheirinho do que poderão ser as propostas do programa eleitoral do PS. Anteviam-se algumas linhas de força na área da habitação, dos transportes públicos, sobretudo o ferroviário e das renováveis e descarbonização, que se confirmaram e surgiu a relativa novidade de uma economia portuguesa mais sofisticada, apontando para um perfil mais ambicioso de especialização produtiva. Veremos o que em termos concretos essa maior sofisticação representa e que instrumentos de política pública e de inovação irão ser reafirmados para induzir essa grande transformação, a qual acredito está já em curso, mas que necessita de escala e esse será o grande problema.

Como já aqui referi em post anterior, o programa do PS tem de apostar num conjunto de medidas que impactem decisivamente a vida da classe média e das populações mais empobrecidas para curto circuitar a sedução que o discurso mais populista irá exercer nessa parcela do eleitorado. Veremos se alguma ideia emerge no programa eleitoral, até porque em meu entender a AD vai ter dificuldades de pescar nessa área.

Quanto à apresentação da AD, com as novidades, poucas, de Rui Moreira e de Miguel Guimarães ex-bastonário da Ordem dos Médicos que anunciou de muito longe ao que vinha, percebe-se que Luís Montenegro está a sentir dificuldades de cruzar o que tinham sido as suas “grandes propostas” em torno da descida de impostos com o novo enquadramento de aliança em que tem de apresentar o seu programa político. O seu comportamento tem sido errático e a obsessão por criticar tudo o que o PS tem avançado quase que sobrepõe à justificação de ter aceite a AD. Na apresentação e para aproveitar o mote da presença de Miguel Guimarães, foram as perturbações do SNS que estiveram na berlinda, mas nessa medida terá pouca margem de diferenciação relativamente à agressividade de Ventura.

Também a mim me interessaria discutir criticamente o modelo do CEO para o SNS, que considero mais uma contrarreforma do que propriamente uma saída coerente para os problemas que ele enfrenta. Mas veremos o que é que o programa eleitoral do PS de PNS dirá sobre o assunto.

Resumindo, se deste fim de semana esperaríamos uma antecipação consequente dos temas de campanha eleitoral, acho que ficamos todos algo desiludidos. Terá de ser nas entrelinhas dos programas eleitorais que provavelmente encontraremos evidência para satisfazer a curiosidade.

De resto, interrogo-me se a marcação à zona da apresentação da AD surtiu os efeitos desejados. Será que apagou o impacto comunicacional da chegada à liderança de PNS? Tenho dúvidas de que tenha sido assim.

 

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