(Embora alguns programas de comentário político das televisões continuem a dedicar alguma atenção aos rumos do conflito, e de facto os majores-generais da nossa praça ainda não desertaram dos écrans e não retiraram para as suas poltronas de estratégia, a verdade é que a intensidade mediática diminuiu e tem-se formado não diria uma indiferença, mas uma ambiência de algo parecido com resignação, o que não augura nada de bom para o futuro dos Resistentes Ucranianos. O Leste-Oeste de Nuno Rogeiro na SIC Notícias aos domingos ao princípio da tarde continua a ser a referência mais plausível e, goste-se ou não se goste, a verdade é que não encontro em lado nenhuma informação tão desenvolvida como a que Rogeiro desencanta sabe-se lá a partir de que fontes. Mas recorrendo aos principais jornais internacionais de referência percebe-se que a narrativa vai-se alterando, sobretudo a partir do momento em que a tão propagada contraofensiva ucraniana se esboroou e as suas forças tiveram de regressar a uma posição mais defensiva. Integrando os diferentes registos que vão sendo captados nas diferentes fontes internacionais e nunca ignorando que, incluindo a Crimeia, a ocupação russa atinge cerca de um quarto do território ucraniano, não é difícil imaginar que algo falhou na articulação entre as promessas ocidentais e a temerária decisão da Ucrânia de tenar inverter o rumo da guerra, passando da defensiva a uma contraofensiva que prometia muito e envolvia também as ainda mais temerárias tentativas de atacar seletivamente território russo.)
Dos principais registos obtidos a partir da imprensa internacional mais influente vai-se percebendo que as reservas de material das forças ucranianas já viveram melhores dias. Documentam-se mesmo indícios que os stocks de munições se aproximam de limiares mínimos que causam preocupação, implicando mesmo parcimónia na resposta.
No Washington Post, podia ler-se esta inquietante síntese: “Do mesmo modo, nas capitais ocidentais, os oficiais estão claramente convictos de que a paciência dos seus concidadãos com o financiamento da Ucrânia não é infinita. E em termos de planeamento, Washington parece também estar pronto para o argumento de que, mesmo no caso da Ucrânia não recuperar todo o seu território a curto prazo, ela precisa de assistência no tempo atual para ser capaz de se defender e tornar-se parte integrante do Ocidente”.
Quer isto dizer em termos simples que, embora o Ocidente comece a preparar perspetivas de mais médio prazo na assistência à Ucrânia, o problema da ajuda a curto prazo assume por agora uma importância vital. Compreende-se o desespero de Zelensky e dos responsáveis militares ucranianos. Por isso, sustento a ideia de que a passagem a uma temerária contraofensiva não foi bem preparada, porque provavelmente terá sido baseada em cenários de apoio ocidental também eles temerários no seu otimismo.
O ano político de 2014, como alguém já disse o ano de todas as eleições, veio introduzir a esta ajuda de curto prazo todas as interrogações sobre o exasperante atraso com que ela se vem manifestando na prática. Seja porque a situação política americana é um valente lio, seja porque a eterna incapacidade de resposta da política externa europeia é já não uma surpresa mas um dado do problema, seja ainda porque o enfrentamento de Israel com o Hamas veio incendiar todo o Médio Oriente e com isso enfraquecer o foco na Ucrânia, tudo converge para que a valentia dos Ucranianos se sinta desprotegida na retaguarda.
Não podemos ignorar que as hesitações ocidentais se traduzem obviamente numa maior capacidade de organização da presença russa no território ucraniano, dificultando cada vez mais uma possível contraofensiva libertadora de território. Penso que ninguém é capaz de aferir se a teoria da conspiração de possíveis conluios de Putin com o desbragado Trump é real ou pura especulação. Mas o que pode dizer-se é que a magnitude do lio em que a política americana também passa por aí. Sopesando e comparando situações, a indeterminação da situação política norte-americana parece bem mais grave do que os elefantes na sala do Conselho Europeu que a Hungria e a Eslováquia podem representar. Porque falando de forma nua e crua, para os Ucranianos os atrasos da ajuda americana serão bem mais trágicos do que os da costumeira lentidão europeia. E do Reino Unido também não sopram ventos de feição para Zelensky, apesar de Sunak se ter apressado a tomar a dianteira europeia. Mas de uma forma ou de outra, as eleições que pairam sobre o Reino Unido também irão introduzir alguma indeterminação nesse apoio entusiástico de Sunak e seus pares.
Por isso, reitero a minha ideia de que a narrativa sobre a resistência da Ucrânia terá forçosamente de ser mais realista e sobretudo não induzir passos em falso das forças ucranianas.
Emenda:
No último parágrafo, a versão publicada não incluía inicialmente "não induzir passos em falso".
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