Cada vez tenho mais em devida conta quão justo é o sentido da célebre afirmação de Emídio Rangel nos idos de 1997 (“Uma estação que tem 50% de share vende tudo, até o Presidente da República! Vende aos bocados: um bocado de Presidente da República para aqui, outro bocado para acolá, vende tudo! Vende sabonetes!”). Tivemos, entre ontem e hoje, várias manifestações disso a propósito do caso da compra de 2021 pela Parpública de ações dos CTT previamente privatizados pelo governo de Passos. Entre uma declaração imprópria e demagogicamente indecorosa do secretário-geral do PSD (a truculência de Hugo Soares, e os processos de intenções que promove, está longe de estar à altura de um partido que tem pretensões a disputar o poder em Portugal!), repetições exaustivas mas tendencialmente escandalosas e factualmente truncadas nas várias cadeias televisivas, podcasts com títulos espampanantes (como o “Soundbyte” do “Público”, protagonizado por Helena Pereira: “CTT: A nova brincadeira de Pedro Nuno Santos”) e aproveitamentos oportunistas por parte dos jovens partidos à direita do nosso espetro partidário (o unipessoal Chega do sempre ligado André Ventura e a Iniciativa Liberal colocada por Rui Rocha “a vender camisolas de lã no deserto”).
Mas há mais, se nos situarmos fora do mediatismo mais conjuntural. Tal decorre do facto de os mandantes da comunicação social, os respetivos comentadores e os políticos apressados pretenderem fazer passar a razoabilidade de uma lógica de gestão política em que, em nome da transparência, todas as decisões devem ser divulgadas sem restrições (independentemente da sua natureza, da confidencialidade de que careçam ou dos custos que daí possam advir para o erário público) e, portanto, em que resultam questionadas duas das mais elementares caraterísticas das políticas públicas democraticamente escrutinadas, a sua legitimidade própria e os procedimentos a elas associadas. Assim não vale, assim não deve valer por manifesta centrifugação do âmago de uma democracia madura no quadro de uma sociedade que se pretende dinâmica e em transformação.
Se a tudo isto somarmos os lugares-comuns feitos à pressa (com ou sem consignes subjetivas) que grassam nos títulos de jornais e revistas ou nos rodapés televisivos, acrescidos da aflitiva inépcia/indigência de muitos dos jornalistas que são destacados para nos surgirem pela frente, estaremos efetivamente perante um quadro que tem tudo para acabar democraticamente mal – vejam-se, num exemplo também de hoje, as capas das duas maiores revistas generalistas que por aí circulam, ambas tratando o mesmo tema (um retrato biográfico de Pedro Nuno Santos) e segundo a mesma ideia-base (o alegado pendor esquerdista do mesmo) mas trazendo à evidência dois modos bem diferenciados de condicionar a opinião pública (um relativamente neutro na “Visão”, “Anatomia de um rebelde”, e outro bastante mais indutor na “Sábado”, “A Vida do Radical que quer mandar no País”). Repito, pois, que assim não vale e não deve valer.
Sem comentários:
Enviar um comentário