(O número duplo do Economist correspondente à edição de Natal e última de cada ano constitui regularmente uma fonte de inspiração notável, tal é a qualidade dos artigos que essa edição costuma apresentar. A edição em papel chegou-me tarde por ineficiência dos serviços postais, cada vez mais intermitentes no serviço normal e desta vez escapou-me a edição digital. Recuperando esse atraso, fixo-me num dos artigos que mais me chamou a atenção: “The Green Man’s burden”. O tema é sedutor e já o aflorei em posts anteriores. Ele resume-se a esta ideia central: o combate à emergência climática, designadamente ao controlo das emissões de gases com efeitos de estufa, será um tema para uma abordagem política e coletiva à sua mitigação ou deve envolver também questões de responsabilidade individual? Esta é a questão mais negligenciada do debate em torno das transições energética e climática. A mudança dos padrões de comportamento e de consumo das famílias e dos indivíduos não tem atraído significativamente a atenção de pensadores e investigadores. As ciências sociais, sempre a queixar-se da sua marginalização face às grandes correntes de financiamento da investigação científica, tendem olimpicamente a ignorar esta área de investigação e perdem objetivamente uma grande oportunidade de se afirmarem neste grande debate. O artigo do Economista da edição de Natal é um princípio de reflexão sobre a necessidade de uma filosofia moral para a abordagem à mudança climática. É sobre essa matéria que se foca o post de hoje.)
Certamente que todos conhecemos casos de ativismo radical, digamos de abstinência, na mudança de comportamentos e de padrões de consumo. Há gente que voluntariamente deixou de andar de avião em ligações de longo curso. Outras abandonaram viaturas que não exclusivamente elétricas. Haverá outras que referem enregelar de inverno e não ligar os seus aquecimentos (brr que frio …). Outras refugiam-se em padrões alimentares impolutos. Outras ainda enveredaram por formas inteligentes de arquitetura solar e habitação sustentável, dinamizando por exemplo comunidades de energia renovável, complementares dos padrões de utilização exemplar de materiais de construção sustentáveis. E a economia circular é um desafio permanente à nossa imaginação.
Esses ativistas da mudança de padrões de comportamento e de consumo assumiram uma filosofia moral de responsabilidade individual na geração do problema – o aquecimento global. Mas o problema da responsabilidade moral e individual não está suficientemente debatido e desenvolvido em termos do que poderíamos designar de justiça da sustentabilidade. Qual é efetivamente o nosso contributo individual para o aquecimento do planeta, como é que o poderemos quantificar e de que modo, voluntariamente ou respondendo a incentivos e estímulos pertinentes e apropriados da política pública, podemos mitigar essa responsabilidade individual?
Outros ainda projetarão essa responsabilidade individual na assunção de formas de um outro tipo de ativismo, assumindo riscos de integridade física e pessoal em defesa das suas convicções climáticas.
Em meu entender, é bastante discutível que o nosso contributo individual para uma mitigação mais consciente da nossa responsabilidade individual relativamente ao aquecimento global e aos riscos de destruição do planeta e de acontecimentos climáticos extremos possa ser plenamente eficaz sem uma dimensão coletiva e participativa devidamente organizada. A mitigação da responsabilidade individual não pode ser uma espécie de convicção ou de ignorância religiosa que fique dependente apenas do livre arbítrio individual. Por isso, numa estratégia de abordagem da emergência climática, a questão dos incentivos e estímulos à mudança dos comportamentos e dos padrões de consumo é crucial. Obviamente, que os atores sociais não se guiam apenas por interesses privados (e não demonizemos a questão dos interesses pois todos a eles respondemos). O interesse público procurado pela ação individual (que pode ter ciclos de afirmação e de recuo nas sociedades) não pode ser ignorado e creio que o tema da responsabilidade climática preenche essa condição.
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