domingo, 6 de maio de 2012

UMA VISITA AO PORTO


Ontem ao final da manhã, apanhei na TSF um excelente “Encontros com o Património”, onde quatro convidados de primeira água – os arquitetos Nuno Grande, Teresa Andresen, Manuel Fernandes de Sá e o geógrafo Álvaro Domingues – discutiam a cidade do Porto em torno do tema “O Porto Planeado do Seculo XIX aos nossos dias”.

Vale a pena ir ao ”link” para ouvir na íntegra: http://www.tsf.pt/programas/programa.aspx?content_id=918070&audio_id=2470268. Mas, com a devida vénia a um Álvaro em excelente forma, dele escolho reproduzir dois estimulantes excertos, entre amarrações identitárias e desafios do futuro.


1.       “Não, de forma nenhuma, não concordo com isso [que a cidade do Porto tem vindo a perder identidade]. Tem vindo a perder população residente, mas o que caracteriza a dinâmica das cidades não é o número de gente que dorme. Mas tem vindo a adquirir protagonismo. Eu creio que nós somos uma pequena cidade de um pequeno país que tem – não sei se lhe posso chamar assim – um nível de cosmopolitismo muito grande. Isso consegue-se em torno de quatro ou cinco coisas que têm uma massa crítica e uma visibilidade muito forte. Desde logo esta casa, a Universidade do Porto no seu conjunto, a Casa da Música, Serralves, a vida cultural e artística tem uma força imensa. Do ponto de vista regional, três fileiras de atividades: o ensino superior e a educação, a fileira da saúde – desde os grandes hospitais até às clínicas de análises – e a fileira da logística – tudo o que tem a ver com os tais movimentos das pessoas e dos bens; isto faz o núcleo duro da polarização aqui à volta do Porto e a sua função regional. Do ponto de vista identitário, o Porto, o vinho do Porto sempre tiveram – quase desde a Liga Hanseática – uma forte presença internacional, apesar da sua posição secundária no País, e hoje em dia essa iconografia e essa imagem está a ser renovada por elementos de grande cosmopolitismo e contemporaneidade, como são por exemplo a Casa de Música e Serralves. Estou a falar de ícones, mas por trás destes ícones a gente pode medir números: de visitantes, de registos na Internet,… o ‘low-cost’ aéreo tem introduzido muito isto… Agora, infelizmente, isto tem cavado também aquilo que um jornalista uma vez disse: que o Porto é uma cidade de novos ricos e velhos pobres. Isto é, este processo de cosmopolitização obviamente que evidencia e dá voz e dá oportunidades a uma determinada franja social mas não resolve a cidade partida, a cidade em que desde o século XIX – com a tísica, com os operários mal pagos – os pobres estão alojados da maneira que se sabe.”

2.       “Há bocado dizíamos que o Porto é um estado de espírito. E, portanto, o Porto é um atractor de identidade, nem que mais não seja porque vivemos num país demasiado macrocéfalo e não se pode cortar a cabeça à senhora. Sabemos o que temos, nós que vivemos aqui a maior parte do nosso tempo sabemos – como disse muito bem a Teresa – que o espaço encolheu, de facto o nosso Einstein foi o que diminuiu o espaço e acelerou o tempo – e os tais suportes infraestruturais são importantes para perceber isso. Agora a questão fundamental que está para resolver – como diria o outro – é a economia, meu burro! Ou há emprego ou não há. Porque não vai a par e passo a qualidade do ambiente urbano, a autoestima que deriva do próprio processo de estetização da cidade – não esquecer que está classificada pela Unesco – … obviamente que isto puxa as expectativas muito para cima. Mas está por descobrir qual é a magia da revitalização em ambiente ‘low-cost’, sem estas burocracias impressionantes que há para pôr o raio de um elevador nas traseiras de um prédio. Não há espaço para a utopia e nós estamos entregues a burocratas, a tecnocratas, e as pessoas não falam de política, falam economês. E, portanto, é preciso abrir espaços para que a diversidade que existe na cidade – até a diversidade da ruína – encontre soluções, que obviamente não podem ser as soluções pré-formatadas, que tenha ar condicionado, climatizado, sustentado, aquelas tretas todas. Não, não. Tem de ser à medida das possibilidades que há e há um potencial imenso de reabitar a cidade – com o que essa palavra significa – mas na minha opinião, para além da questão da residência, emprego; porque se não há emprego as pessoas é como se vê: partem algures para qualquer sítio. E essa é a minha esperança. Porque creio que estamos no lugar certo, estamos num dos sítios mais exóticos da Europa, pela nossa herança histórica, pela nossa riqueza cultural, pelo que aqui foi dito em termos da qualidade da paisagem, da cultura, da comida, do “portiotismo” – porque quanto mais global é a cultura, mais medo as pessoas têm de ser atropeladas pela globalização, como se fosse uma espécie de ceifeira-debulhadora enfardadeira que te põe amarelo a comer hamburguers. E então quando esses movimentos de massificação da cultura-mundo são muito fortes as identidades saltam e aqui há um campo fértil de construção identitária sem que isso signifique uma espécie de irredutível aldeia gaulesa porque ela sempre foi cosmopolita.”

É tão bom que ainda haja gente que pensa! E faça pensar…

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