(A persistência do tema mostra que as perspetivas
de crescimento mundial continuam anémicas apesar da recuperação)
Este blogue foi um dos primeiros ecos do debate da estagnação secular em
Portugal, dada a importância que lhe reconheci quando Lawrence Summers cunhou o
tema em novembro de 2014, numa conferência do FMI em Washington. Podem dizer-me
que se trata de um tema espúrio para a realidade portuguesa, já que ele brota essencialmente
das economias mais avançadas. Mas para uma economia de pequena dimensão como a
portuguesa, irremediavelmente ligada aos mecanismos do comércio mundial, qualquer
ameaça estrutural que pese sobre o crescimento dos mais avançados deve ser
rigorosamente avaliada e tida em devida conta em Portugal.
A persistência do tema no debate macroeconómico mostra entre outras coisas
que a recuperação que parece animar alguns vetores da economia mundial não é
totalmente convincente. O crescimento económico não tem as mesmas perspetivas
de animação que outras recuperações passadas alimentaram e daí o debate não ter
terminado, antes pelo contrário, tem vindo a ser sistematicamente enriquecido.
E entre as matérias de enriquecimento analítico da questão está hoje a mais
clara divisão entre os fatores que têm sido avançados para dar uma explicação
consistente à intuição inicial de Summers, que não se limitou aliás a intuir o
fenómeno, tendo proposto inclusivamente uma primeira explicação.
Três famílias de fatores explicativos têm-se constituído.
A primeira e talvez a mais inesperada de todas é a que explica a estagnação
secular no quadro de uma perspetiva monetária e financeira. A mais clara síntese
da abordagem monetária da estagnação secular que conheço é a que é proposta por Bradford DeLong. Ele parte de uma evidência relevante que é a falha de regulação
financeira que deu origem aos acontecimentos de 2007-2008, a qual originou um
conjunto de intermediários financeiros em quem não se pode confiar. Isto tem
por consequência que essa intermediação financeira não tem hipóteses de trazer
para o investimento a capacidade de assunção de riscos por parte da sociedade
e, por maioria de razão, assumir ela própria riscos e convencer os investidores
de que os títulos que emitem são de baixo risco. Temos assim uma dupla escassez
de âmbito claramente financeiro: reduzida capacidade de mobilização de risco e
também escassez de ativos seguros. Investimento em queda e baixo emprego são
assim consequências da avaliação realista dos retornos em termos reais do
investimento em capital físico, intelectual e organizacional. As bolhas
financeiras emergem como sendo a única via para aumentar investimento e
emprego, ou seja, exigindo avaliações não realistas dos retornos reais
previstos. Para além disso, não têm funcionado as saídas possíveis para
inverter uma situação deste tipo: aumentar a taxa de inflação de referência
para os bancos centrais (contrariado pelo medo endémico da inflação), melhorias
acentuadas da regulação financeira e compensar por via fiscal e da despesa pública
a ineficácia da política monetária.
A segunda família de fatores explicativos é a que resulta da própria intuição
inicial de Summers: o contexto de zero
lower bound representa fundamentalmente um desequilíbrio entre o
investimento que lucrativamente é possível antecipar e as poupanças que a
economia deseja reter, agravado seja pela espantosa capacidade de formação de
poupança asiática e a significativa descida do preço relativo do investimento
em capital que faz com que uma menor valor de investimento seja necessário
realizar para assegurar a mesma massa de investimento.
A terceira família é a que faz jus à designação de estagnação estrutural. Ela
pode envolver a explicação da descida do preço relativo do investimento, mas
pode também englobar os problemas demográficos sérios das economias mais
avançadas e de grande parte do leste europeu e questões tecnológicas. Barry
Eichengreen fala a este respeito de diminuição de oportunidades de investimento
atrativas, seja porque o ciclo de inovação demora em encontrar setores de
aplicabilidade do conhecimento científico e tecnológico, seja ainda porque o
tempo organizacional e de mudança necessário a que as inovações possam impactar
a produtividade está a aumentar. Da explicação tecnológica a que mais me
entusiasma é a da adaptabilidade. Entre uma inovação tecnológica e o aumento de
produtividade (suporte estrutural do crescimento, ainda por cima reforçado com
o estrangulamento demográfico), há todo um conjunto de adaptações organizacionais
e isso pode explicar a aparente dificuldade do crescimento ver repercutida a
inovação.
Os cenários eleitorais levam-nos frequentemente a valorizar o curto prazo
em detrimento de uma avaliação rigorosa das condições estruturais de longo
prazo. Não deveria ser assim.
Sem comentários:
Enviar um comentário