domingo, 2 de agosto de 2015

AINDA O TEMA DA ESTAGNAÇÃO SECULAR




(A persistência do tema mostra que as perspetivas de crescimento mundial continuam anémicas apesar da recuperação)

Este blogue foi um dos primeiros ecos do debate da estagnação secular em Portugal, dada a importância que lhe reconheci quando Lawrence Summers cunhou o tema em novembro de 2014, numa conferência do FMI em Washington. Podem dizer-me que se trata de um tema espúrio para a realidade portuguesa, já que ele brota essencialmente das economias mais avançadas. Mas para uma economia de pequena dimensão como a portuguesa, irremediavelmente ligada aos mecanismos do comércio mundial, qualquer ameaça estrutural que pese sobre o crescimento dos mais avançados deve ser rigorosamente avaliada e tida em devida conta em Portugal.

A persistência do tema no debate macroeconómico mostra entre outras coisas que a recuperação que parece animar alguns vetores da economia mundial não é totalmente convincente. O crescimento económico não tem as mesmas perspetivas de animação que outras recuperações passadas alimentaram e daí o debate não ter terminado, antes pelo contrário, tem vindo a ser sistematicamente enriquecido.

E entre as matérias de enriquecimento analítico da questão está hoje a mais clara divisão entre os fatores que têm sido avançados para dar uma explicação consistente à intuição inicial de Summers, que não se limitou aliás a intuir o fenómeno, tendo proposto inclusivamente uma primeira explicação.

Três famílias de fatores explicativos têm-se constituído.

A primeira e talvez a mais inesperada de todas é a que explica a estagnação secular no quadro de uma perspetiva monetária e financeira. A mais clara síntese da abordagem monetária da estagnação secular que conheço é a que é proposta por Bradford DeLong. Ele parte de uma evidência relevante que é a falha de regulação financeira que deu origem aos acontecimentos de 2007-2008, a qual originou um conjunto de intermediários financeiros em quem não se pode confiar. Isto tem por consequência que essa intermediação financeira não tem hipóteses de trazer para o investimento a capacidade de assunção de riscos por parte da sociedade e, por maioria de razão, assumir ela própria riscos e convencer os investidores de que os títulos que emitem são de baixo risco. Temos assim uma dupla escassez de âmbito claramente financeiro: reduzida capacidade de mobilização de risco e também escassez de ativos seguros. Investimento em queda e baixo emprego são assim consequências da avaliação realista dos retornos em termos reais do investimento em capital físico, intelectual e organizacional. As bolhas financeiras emergem como sendo a única via para aumentar investimento e emprego, ou seja, exigindo avaliações não realistas dos retornos reais previstos. Para além disso, não têm funcionado as saídas possíveis para inverter uma situação deste tipo: aumentar a taxa de inflação de referência para os bancos centrais (contrariado pelo medo endémico da inflação), melhorias acentuadas da regulação financeira e compensar por via fiscal e da despesa pública a ineficácia da política monetária.

A segunda família de fatores explicativos é a que resulta da própria intuição inicial de Summers: o contexto de zero lower bound representa fundamentalmente um desequilíbrio entre o investimento que lucrativamente é possível antecipar e as poupanças que a economia deseja reter, agravado seja pela espantosa capacidade de formação de poupança asiática e a significativa descida do preço relativo do investimento em capital que faz com que uma menor valor de investimento seja necessário realizar para assegurar a mesma massa de investimento.

A terceira família é a que faz jus à designação de estagnação estrutural. Ela pode envolver a explicação da descida do preço relativo do investimento, mas pode também englobar os problemas demográficos sérios das economias mais avançadas e de grande parte do leste europeu e questões tecnológicas. Barry Eichengreen fala a este respeito de diminuição de oportunidades de investimento atrativas, seja porque o ciclo de inovação demora em encontrar setores de aplicabilidade do conhecimento científico e tecnológico, seja ainda porque o tempo organizacional e de mudança necessário a que as inovações possam impactar a produtividade está a aumentar. Da explicação tecnológica a que mais me entusiasma é a da adaptabilidade. Entre uma inovação tecnológica e o aumento de produtividade (suporte estrutural do crescimento, ainda por cima reforçado com o estrangulamento demográfico), há todo um conjunto de adaptações organizacionais e isso pode explicar a aparente dificuldade do crescimento ver repercutida a inovação.

Os cenários eleitorais levam-nos frequentemente a valorizar o curto prazo em detrimento de uma avaliação rigorosa das condições estruturais de longo prazo. Não deveria ser assim.

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