sábado, 22 de agosto de 2015

O IMPRESSIONISMO DO INVESTIMENTO




(Do impressionismo à efetividade do crescimento diversificado do investimento, matéria crucial para avaliar o sentido das propostas do programa macroeconómico do PS, tendo como pretextos um artigo de Nicolau Santos e o programa económico do PS)

Nicolau Santos publica hoje no Expresso um artigo sugestivo sobre a dinâmica recente do investimento em Portugal, designadamente do investimento direto estrangeiro (IDE), que parece finalmente despertar do profundo vazio dos últimos anos e, simultaneamente, abandonar o perfil predominantemente orientado para os não transacionáveis, setor financeiro e imobiliário, principalmente. Também esta semana, o PS divulgou o seu estudo técnico sobre o impacto financeiro das medidas do seu quadro macroeconómico e programa de governo, completando a saga dos documentos de programação para consumo eleitoral em que o partido apostou como nova de apresentar as suas convicções e propostas aos portugueses.

Aparentemente, os dois factos não têm ligação, mas a verdade é que existe uma relação e ela é crucial para se apreciar a bondade das propostas para uma governação alternativa que António Costa propõe aos portugueses.

Do artigo de Nicolau Santos resulta uma visão impressionista do comportamento recente do investimento que nos sugere uma mudança estrutural do perfil de IDE. A confirmar-se contribuiria finalmente para a ambicionada mudança estrutural da estrutura produtiva nacional, permitindo uma menor dependência do crescimento económico face ao agravamento do défice externo induzido pelo agravamento inevitável das importações não asseguradas por produção nacional. O que é relevante dos inúmeros exemplos que o jornalista do Expresso consegue identificar é o perfil largo dos setores envolvidos, com ocorrências no que Portugal sabe fazer e vender em mercado global e no que se pretende que o país reforce a sua participação diversificando exportações. E o que parece também relevante é assinalar que essa dinâmica ainda impressionista parece não manter qualquer relação relevante com as privatizações que a maioria se esmerou em concretizar a todo o preço, para gáudio e retorno dos que conseguiram em termos de consultoria estar ligados à sua preparação, alguns jogando dos dois lados.

Tal como noutros momentos da evolução da estrutura produtiva nacional, nem sempre o impressionismo da perceção das ocorrências mais relevantes tem depois correspondência na performance global do investimento e das exportações. Desta minha vida já longa em torno destes assuntos posso recordar muitas falsas partidas, algumas delas antecipadas como promissoras pelas já referidas perceções impressionistas, que posteriormente não passaram disso, simples fogachos sem massa crítica de efeitos de demonstração e arrastamento.

Mas o que é esta dinâmica impressionista registada por Nicolau Santos tem que ver com a avaliação da bondade do programa económico do PS? Se as ocorrências registadas por NS forem algo mais do que uma dinâmica promissora impressionista, então ela corresponderia a uma mudança de grande relevância: a recuperação da economia portuguesa alimentar-se-ia à partida de crescimento focado nos mercados externos. A confirmar-se essa tendência e ainda por cima com diversificação setorial do investimento, estaríamos perante uma dinâmica bem mais sustentada do que uma recuperação essencialmente baseada no reforço do consumo interno, se bem que esse reforço seja parcialmente necessário para reconstituir alguma estrutura produtiva orientada para o mercado interno que foi destruída por uma desproporcionada e cega consolidação de contas públicas.

Ora, o que sabemos do programa económico do PS é que ele veicula uma estratégia económica assente em ritmos muito exigentes de crescimento económico, que vão desde no início taxas de 2,4% para chegar depois aos 3,1%, aos quem surgem associados os postos de trabalhos estimados. Para conseguir atingir esses ritmos de crescimento, o programa aposta em primeiro lugar em efeitos rendimento de recuperação do consumo e também em medidas de apoio à inovação que, como já aqui referi, estão na sua esmagadora maioria do financiamento dos Fundos Estruturais. Convém salientar que, estabelecida uma programação como a do Portugal 2020, ela não se adequa bem a grandes diferenças de governação. Aliás, todos os estudos de avaliação disponíveis em Portugal sobre a matéria (de autoria da equipa do Augusto Mateus e também deste vosso servidor que avaliou os incentivos à inovação e à internacionalização no QREN 2007-2013) mostram que a panóplia de instrumentos de política favorecidos pelos Fundos Estruturais é uma paleta que é muito difícil diversificar mais e que a sua eficácia tem vindo a aumentar significativamente. Por isso, nunca entendi que a utilização dos Fundos Estruturais possa constituir fator decisivo de diferenciação entre a maioria e a alternativa de governação do PS. A aceleração de despesas com fundos europeus, para além de estar também ao alcance da maioria que tem o trabalho preparado, estará dependente de respostas empresariais que constam já das candidaturas aos primeiros avisos. O comboio está lançado. Mas não podemos ignorar que a massa de empresas atingidas pelos Fundos Estruturais continua a representar uma relativamente pequena fração da formação bruta de capital fixo.

Em resumo, se o impressionismo de NS for mais do que isso, é dessa dinâmica que resultará a principal fonte de reanimação sustentada da economia e convinha o PS entender isso, não gastando as fichas todas na criação de efeitos consumo que não podem constituir fatores de crescimento sustentado.

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