(Com o espectro da estagnação secular a pairar,
obviamente um tema importante)
Enquanto o meu colega de blogue disserta de experiência vivida sobre um país escandinavo incrível, eu foco-me na China que talvez não chegue a visitar.
Sob o espectro da estagnação secular que paira sobre a parte mais madura da
economia mundial, qualquer assomo de constipação ou gripe na economia da China
tem obviamente repercussões nas expectativas de crescimento mundial. O que
parece estranho é a surpresa que tem causado os sinais de aterragem do
crescimento chinês, como se fosse possível alguma economia, por mais heterodoxa
que seja nos seus métodos e modelo de organização, poder crescer continuadamente
ao ritmo a que a chinesa tem evoluído.
A Economic Letter do Banco da Reserva Federal de S. Francisco, pela pena de um investigador que se presume
chinês, Zheng Liu de sua graça, fornece esta semana alguns elementos sugestivos
sobre a desaceleração do crescimento de todos os crescimentos. Mas é um pouco
ridículo o mundo estar para já preocupado com a passagem de um ritmo médio de
crescimento anual de 10% no período 1980-2010 para um outro de 8% no período
2011-2014 (ver gráfico abaixo). Esta preocupação é bem sinal do espectro de
estagnação secular que paira sobre o ocidente mais maduro, pois uma desaceleração
anual média de 10% para 8% é música celestial quando comparada com as dificuldades
de crescimento a nível das economias mais maduras.
Mas o artigo de Zheng Liu contém elementos bem mais interessantes do que a
desaceleração do crescimento atrás referida. O que o gráfico que abre este post
evidencia de forma muito clara é a transformação em curso do modelo de
crescimento chinês, visível na alteração dos pesos relativos dos chamados
fatores dinâmicos do crescimento: o ritmo de incorporação do trabalho, o
investimento e a produtividade. O gráfico já mencionado evidencia com nitidez
que o crescimento da produtividade tem vindo a perder relevância, que é
substituída pelo investimento, sendo também visível que o caráter extensivo do
crescimento (peso do fator trabalho) está também em queda. Ora esta informação é
muito relevante pois ela significa que a economia chinesa alinha
progressivamente com as economias de mercado na importância crítica que o ritmo
de investimento assume. Em coerência com essa transformação, a taxa de
poupanças das famílias subiu de 15 para 30% de 1990 para 2014, em linha com a
reputada capacidade de poupança que as famílias asiáticas revelam em processos
de crescimento do rendimento.
Discute-se neste momento se a China superará o conhecido fenómeno de
armadilha do crescimento que outros países de rendimento intermédio
experimentaram, o que terá profundas consequências em matéria de desaceleração
ou aterragem, suave ou agitada. Zheng Liu analisa algumas propostas de reformas
que o conhecido pragmatismo do PC chinês lançou recentemente. Tudo indica que a
China tenderá a seguir as pisadas do Japão e da Coreia do Sul em matéria de
evolução temporal dos ritmos de crescimento (ver gráfico abaixo).
A dúvida mais
robusta e sensata para ser colocada é a questão de saber se o pragmatismo do PC
chinês será suficiente para ir neutralizando as condições institucionais mais
penalizadoras que o modelo político chinês tende a gerar. Até aqui, num
ambiente de economia mundial em que o pragmatismo intervencionista se superiorizou
aos que praticaram a desregulamentação sem limites (os chamados amantes do
Consenso de Washington), conseguindo melhores performances de crescimento, o
pragmatismo das autoridades chinesas com um regime político e um modelo económico
de diferente natureza chegou e sobrou para gerir o processo. Bradford DeLong,
por exemplo, interroga-se se as autoridades chinesas conseguirão encontrar
sucedâneos pragmáticos para fatores inexistentes na sociedade chinesa como o da
boa e não corrupta governação, a confiança entre os membros da sociedade e a
abertura social às influências externas que têm sido responsáveis pela convergência
de outras nações.
Uma boa questão para acompanhar no meu tempo de vida.
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