sábado, 22 de agosto de 2015

ALÔ ALÔ, ANTÓNIO COSTA?

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

António Costa é muito justamente tido por ser um político competente e experimentado e até a alternativa de que o País urgentemente carece na sua atual e difícil conjuntura. Não obstante, age por vezes como se não tivesse ainda interiorizado aquilo que parece ser reconhecidamente consabido: que cada vez mais a malta – i.e., os cidadãos e os eleitores – se fica, no que toca à política e na melhor das hipóteses, pelas chamadas “gordas”.

Pois vejamos então o que a referida maioria de portugueses leu (se é que leu) nos escaparates dos jornais de ontem e hoje; assim como que, digamos, em termos diacrónicos e sincrónicos. No que toca aos primeiros, Costa deixou-se estranhamente atrair pela tentação tecnocrática (quem não conhece a força desta, sobretudo para quem tem a vontade de fazer, a humildade de querer saber e as limitações próprias de algum desconhecimento prático efetivo?) e, ainda não contente com as incompreensões suscitadas pela sua estratégia programática de campanha (a visão de Maria Manuel Leitão Marques, as projeções de Mário Centeno e as causas de João Tiago Silveira), veio de férias e zás... há que refazer as contas e renovar os compromissos. Pondo-se a jeito para ter de levar com as infantilidades políticas de um Centeno desde já disposto a ser ministro ou de suportar títulos como os do “Expresso Diário” de ontem: “Costa, afinal, não promete: só se compromete com as promessas”. Tudo isto sem prejuízo de aquela estratégia poder ter a sua lógica e sentido ou de aquela recalibração do modelo macroeconómico poder ter todo o cabimento técnico e ser facilmente compreensível aos olhos de quem pertence ao métier. E cá andamos nós a ser levados a discutir o que não parece passar de pura semântica de pacotilha, a ter de gramar as auto-proclamações de credibilidade por parte um governo que falhou largo em todas as suas previsões da legislatura ou a chupar com as lições do mestre-escola Portas sobre a criação de empregos por parte das empresas e não do Estado – será que havia necessidade? Mesmo?


Quanto à dimensão sincrónica, eis Costa a revelar em simultâneo o seu principal ativo pessoal e político e dois enviesamentos de penosa convivência num mesmo agente político: por um lado, a sua inteligência, a sua criatividade, a sua abertura, a sua destreza negocial e a sua resistência à acomodação mimética (abaixo apenas ilustrativamente traduzidas na defesa de ministérios nas áreas dos Assuntos Europeus, do Mar e da Cultura, ao que acresce a hipótese potencialmente frutuosa de vir a nomear ministros sem ministérios); por outro lado, a sua propensão, que chega a ser quase forçada, para não dar mostras de qualquer autoritarismo ou radicalismo – essas mesmas demonstrações de escassez de firmeza/resiliência e vontade de moderação/temperança que o levaram a fugir ao enfrentamento da questão central da dívida, a tolerar as inaceitáveis e suicidas manifestações internas de dissidência ou a gerir desastradamente o dossiê “Presidenciais” (abaixo percetíveis na abordagem do caso Sócrates, aliás insuscetível de convencer o mais pintado pela furtiva conciliação de silêncios em torno das duas facetas, jurídica e governativa/partidária, por que se desdobra); por fim, a sua propensão, que chega a ter uma airosa componente de imprevisibilidade juvenil, para assumir riscos despropositados em matérias não essenciais (abaixo exemplificados pela ideia de haver uma identidade de pontos de vista entre si e Manuela Ferreira Leite – o que virá dizer sobre isto a ex-líder do PSD e adversária diabolizada pelo PS de Sócrates?).

Espero bem do fundo estar enganado, mas começo a temer pela sorte eleitoral de Costa e deste seu PS mergulhado em ingenuidade, superficialidade e precipitação. Agora que os dados estão lançados e a máquina já vai em movimento não haverá muito a fazer que não seja evitar mais tiros nos pés, ouvir alguns conselhos mais experientes e avisados e procurar retocar certas esmurradelas e pinturas mais danificadas. Com um adversário de tão aflitiva falta de qualidade e sempre capaz de rasar o péssimo e o pior, pode até ser que ainda dê para lá chegar...

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