(Preliminares eleitorais II)
Não costumo ler regularmente a Sábado mas uma curta escapada por Cabeceiras
de Basto onde a força atratora de investimento público do peso pesado Joaquim
Barreto do PS se começa a fazer sentir, com um centro urbano aprazível e onde
se está bem, veja-se a Casa do Tempo, a título ilustrativo, uma esplanada
simpática trouxe-me a revista. E não me arrependi sobretudo pela crónica de
Pacheco Pereira, a oposição mais contundente e sistemática a esta maioria. A corja
de pequenos lançadores da maioria em matéria de opinião vai certamente
concentrar-se em denegrir tão incómoda personalidade.
Pois o que Pacheco Pereira diz é que a maioria está a realizar na
comunicação de banda larga a mais forte mistificação eleitoral de que a
democracia portuguesa alguma vez foi palco, misturando como ninguém governo e
campanha eleitoral, anunciando benesses, piscando olho ali e acolá. E já ganhou
uma coisa importante, a ausência de contraditório por parte do jornalismo que
acolhe maternalmente a mensagem da maioria, renunciando de vez ao
contraditório. Até porque a maior parte destes jornalistas, acossados ou não
por contratos de trabalho precários, aceita a máxima de que os portugueses
viviam acima das suas possibilidades e que tinham de ser punidos por esse
atrevimento. E isto proporciona uma vantagem apreciável, pois os principais protagonistas
da maioria passam sem perturbação as suas mensagens, sem que alguém lhes
coloque o mínimo contraditório. E assim está uma grande parte do jornalismo
português, esperando que os seus contratos passem de precários a definitivos e
que mais algumas benesses possam ser concedidas.
É neste ambiente fortemente desfavorável que António Costa vai ter de
começar afinar pontaria de mensagem como ontem em Torres Vedras, no acampamento
da JS, finalmente com um foco bem definido e números bem objetivos concentrando-se
nos jovens. Ora aí está uma matéria em que a cantilena da maioria dificilmente
colhe. A taxa de desemprego jovem está muito elevada apesar dos esforços das
políticas ativas de emprego e da promoção da precariedade. A saída para o
estrangeiro não pode ser escamoteada, dificilmente se encontra uma família
conhecida em que a nova diáspora. Os salários médios de licenciados não
enganam, mesmo que o CEO Hora Osório vindo de Londres para encantar os jovens
da maioria em Castelo de Vide tenha vindo prolongar a cantilena governamental. E
a precariedade aí está também, mesmo que o senso comum possa aceitar que é
melhor um emprego precário do que o desemprego.
António Costa trabalhou muito bem toda esta inconsistência da cantilena
governativa e o que é mais fundamental não deixou de vincar que é possível
atacar esta situação sem ceder à tentação fácil da maioria em despertar o
choque geracional. Não temos empregos porque os mais velhos nos bloqueiam as
oportunidades e os que os têm estão a contribuir para a pensão dos mais velhos,
tudo matéria socialmente explosiva que a maioria tem explorado para gáudio dos
meninos de Castelo de Vide e os do Largo do Caldas, acolitados nos gabinetes de
Cristas e outros ou na simples adoração pelos trejeitos de Portas.
Mas como não podia deixar de ser a forte mensagem de Costa do dia de ontem
teria de ter a morder-lhe os tornozelos uma inventiva comunicacional qualquer. E,
espante-se o mais incrédulo, foi Paulo Rangel que incendiou o dia com a
diatribe de que num governo socialista Sócrates e Ricardo Salgado, imagem dos
poderosos, não estariam certamente sob inspeção judicial. Quem diria que o
Paulo Rangel, a quem vejo frequentemente tímido e indefeso a passear o seu
pequenino cão no Jardim Soares dos Reis, perto da casa dos seus pais, teria um
verdadeiro orgasmo político diante dos meninos em Castelo de Vide com aquela
diatribe. A imagem da televisão é implacável. O gozo com que Rangel flechou aquela
plateia e mais do que ela toda a comunicação social ali presente não pode agora
ser apagado com atos de contrição, confissões profundas e palavras a abater do
próprio primeiro-ministro, talvez surpreendido ou mesmo incomodado pela chamada
à campanha das questões Sócrates e BES. Foi mesmo um gozo orgástico que se
desprendeu daquelas imagens, no âmbito da conhecida tese de Rangel de que a
maioria reduziu a asfixia democrática em que Portugal vivia.
Pois é com isto que António Costa pode contar. Não vale a pena admitir que
será diferente. Só mensagens como a de Torres Vedras podem contrariar toda esta
ausência de contraditório.
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