domingo, 30 de agosto de 2015

O CONTRADITÓRIO




(Preliminares eleitorais II)

Não costumo ler regularmente a Sábado mas uma curta escapada por Cabeceiras de Basto onde a força atratora de investimento público do peso pesado Joaquim Barreto do PS se começa a fazer sentir, com um centro urbano aprazível e onde se está bem, veja-se a Casa do Tempo, a título ilustrativo, uma esplanada simpática trouxe-me a revista. E não me arrependi sobretudo pela crónica de Pacheco Pereira, a oposição mais contundente e sistemática a esta maioria. A corja de pequenos lançadores da maioria em matéria de opinião vai certamente concentrar-se em denegrir tão incómoda personalidade.

Pois o que Pacheco Pereira diz é que a maioria está a realizar na comunicação de banda larga a mais forte mistificação eleitoral de que a democracia portuguesa alguma vez foi palco, misturando como ninguém governo e campanha eleitoral, anunciando benesses, piscando olho ali e acolá. E já ganhou uma coisa importante, a ausência de contraditório por parte do jornalismo que acolhe maternalmente a mensagem da maioria, renunciando de vez ao contraditório. Até porque a maior parte destes jornalistas, acossados ou não por contratos de trabalho precários, aceita a máxima de que os portugueses viviam acima das suas possibilidades e que tinham de ser punidos por esse atrevimento. E isto proporciona uma vantagem apreciável, pois os principais protagonistas da maioria passam sem perturbação as suas mensagens, sem que alguém lhes coloque o mínimo contraditório. E assim está uma grande parte do jornalismo português, esperando que os seus contratos passem de precários a definitivos e que mais algumas benesses possam ser concedidas.

É neste ambiente fortemente desfavorável que António Costa vai ter de começar afinar pontaria de mensagem como ontem em Torres Vedras, no acampamento da JS, finalmente com um foco bem definido e números bem objetivos concentrando-se nos jovens. Ora aí está uma matéria em que a cantilena da maioria dificilmente colhe. A taxa de desemprego jovem está muito elevada apesar dos esforços das políticas ativas de emprego e da promoção da precariedade. A saída para o estrangeiro não pode ser escamoteada, dificilmente se encontra uma família conhecida em que a nova diáspora. Os salários médios de licenciados não enganam, mesmo que o CEO Hora Osório vindo de Londres para encantar os jovens da maioria em Castelo de Vide tenha vindo prolongar a cantilena governamental. E a precariedade aí está também, mesmo que o senso comum possa aceitar que é melhor um emprego precário do que o desemprego. 

António Costa trabalhou muito bem toda esta inconsistência da cantilena governativa e o que é mais fundamental não deixou de vincar que é possível atacar esta situação sem ceder à tentação fácil da maioria em despertar o choque geracional. Não temos empregos porque os mais velhos nos bloqueiam as oportunidades e os que os têm estão a contribuir para a pensão dos mais velhos, tudo matéria socialmente explosiva que a maioria tem explorado para gáudio dos meninos de Castelo de Vide e os do Largo do Caldas, acolitados nos gabinetes de Cristas e outros ou na simples adoração pelos trejeitos de Portas.

Mas como não podia deixar de ser a forte mensagem de Costa do dia de ontem teria de ter a morder-lhe os tornozelos uma inventiva comunicacional qualquer. E, espante-se o mais incrédulo, foi Paulo Rangel que incendiou o dia com a diatribe de que num governo socialista Sócrates e Ricardo Salgado, imagem dos poderosos, não estariam certamente sob inspeção judicial. Quem diria que o Paulo Rangel, a quem vejo frequentemente tímido e indefeso a passear o seu pequenino cão no Jardim Soares dos Reis, perto da casa dos seus pais, teria um verdadeiro orgasmo político diante dos meninos em Castelo de Vide com aquela diatribe. A imagem da televisão é implacável. O gozo com que Rangel flechou aquela plateia e mais do que ela toda a comunicação social ali presente não pode agora ser apagado com atos de contrição, confissões profundas e palavras a abater do próprio primeiro-ministro, talvez surpreendido ou mesmo incomodado pela chamada à campanha das questões Sócrates e BES. Foi mesmo um gozo orgástico que se desprendeu daquelas imagens, no âmbito da conhecida tese de Rangel de que a maioria reduziu a asfixia democrática em que Portugal vivia.

Pois é com isto que António Costa pode contar. Não vale a pena admitir que será diferente. Só mensagens como a de Torres Vedras podem contrariar toda esta ausência de contraditório.

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