(Uma imagem de Detroit nos tempos em que era assumida a regra de que o aumento dos salários deveria igualar o crescimento da produtividade mais o aumento dos preços dos bens de consumo)
(Um debate recorrente, ou talvez não)
O título vai desta vez em inglês como forma de homenagem ao PACIFIC STANDARD que acolhe por estes tempos uma série de contributos de reflexão sobre
um tema que me interessa francamente, o futuro do trabalho. O jornal promove um
projeto de debate, no âmbito do qual empresários, líderes sindicais, cientistas
sociais, tecnólogos visionários, ativistas e jornalistas discutem as alterações
nas condições e no posto de trabalho que se antecipam como mais impactantes do
nosso futuro.
O tema é crucial para refletir sobre o que o pensamento de esquerda e
social-democrata poderá acrescentar a esta reflexão e sobretudo integrar as
grandes tendências que se associam ao futuro do trabalho na sua própria
reformulação, questão da qual tem andado muito arredado.
Para demonstrar que se trata de um debate de alto nível, posso acrescentar
que despertei para a cobertura do Pacific Standard
graças à chamada de atenção para o contributo de Robert Solow, Nobel de
Economia graças ao seu modelo de crescimento neoclássico, uma das construções
simultaneamente mais abstratas e apaixonantes que alguma vez a teoria do
crescimento económico nos proporcionou. Solow está naquela veneranda tradição
de conjugar rigor matemático e formal com uma capacidade imensa de refletir
sobre as evidências sociais, resistindo à tão comum perversidade de inventar
evidências para sustentar o formalismo económico.
O contributo de Solow chama-se “O futuro do trabalho: porque é que os salários não se estão a aguentar”.
O ponto de partida da reflexão já aqui foi comentado de vários ângulos e
prende-se com o estatuto de farol que a economia americana tem vindo a revelar
na desconformidade observada entre o crescimento da produtividade na economia
americana e a variação dos salários. Solow relembra a boa prática histórica
vivida na indústria automóvel americana de fazer depender a variação dos salários
do crescimento da produtividade e do crescimento dos preços dos bens de consumo,
norma que tendia a estabilizar a percentagem de valor acrescentado da indústria
que afluía regularmente ao mundo do trabalho. Os números de Solow para a última
década são inequívocos: 12,3% de crescimento da produtividade e 5,1% apenas
para o crescimento dos salários, apesar de no último ano e meio a remuneração
real ter superado ligeiramente o da produtividade.
Conhecedor de que esta desconformidade dinâmica pode ser explicada por
diferentes fatores incluindo a própria natureza do progresso tecnológico, a
polarização dos empregos e os rumos da globalização, Solow pretende apenas
associar o prestígio do seu nome e da sua obra a dois outros fatores talvez
menos suportados por defensores tão prestigiados. Fala, assim, em primeiro
lugar do peso que pode ter neste fenómeno a não divisão equilibrada no interior
das empresas de uma terceira componente para lá dos rendimentos do trabalho e
do capital. Essa outra componente é representada pelas rendas que remuneram a
posição particular de cada empresa, uma espécie de renda de monopólio, no fundo
todas as condições que bloqueiam o funcionamento da concorrência e que impedem
que parte do excedente criado na empresa possa beneficiar os preços de mercado
e o consumidor em última instância. Ora o que Solow destaca é a queda abrupta do
poder negocial do trabalho na negociação e na partilha dessa renda comum à
empresa. E claramente relacionada com esta queda do poder negocial está o outro
fator que Solow designa de “casualização” do trabalho, isto é, todas as formas
de atipicidade na relação de trabalho, do trabalho a tempo parcial em unidades
quase infinitesimais, do trabalho temporário e dos contratos a termo, quer
estas tendências resultem de opções individuais, quer decorram (tendência mais
forte) de uma forte tendência para a desregulação e perda de influência da
contratação coletiva e do poder sindical na determinação da contratação
individual.
Os processos de ajustamento gerados por bail-outs de bancos ou de países
tiveram uma influência decisiva na “casualização” que Solow assinala, reforçando
tendências em curso determinadas pela própria evolução do capitalismo. Por
outras palavras, não foram processos neutrais, antes pelo contrário alteraram
decisivamente, com consequências de período longo, os equilíbrios da relação
entre o capital e o trabalho nas empresas e por isso se transformaram em parte
interessada de uma dinâmica de desvalorização do trabalho.
Voltaremos ao Pacific Standard e ao futuro do trabalho.
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