segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O QUE PODERÁ AGREGAR OS ESPANHÓIS?

(Ilustração de Eduardo Estrada para o artigo de Javier Moreno Luzón no El País)



(Problemas de democracias recentes, com nações regionais)

Javier Moreno Luzón, catedrático de História na Complutense de Madrid, assina hoje no El País um sugestivo artigo sobre os problemas que decorrem presentemente da inexistência de um referencial agregador para o que costumo designar de Espanha das nações.

A Espanha das nações é tudo menos a conceção centralista que inspira o PP de Rajoy, o qual, embora beneficiado por uma recuperação que alinha entre as mais robustas da União Europeia, tem cabeça demasiado dura para compreender o que agrega e o que divide os Espanhóis.

O artigo de Luzón intitula-se sugestivamente de “La Transición, epopeya agrietada” (qualquer coisa como epopeia fissurada). A argumentação do autor parte dos referenciais históricos do passado como interpretações que cimentam a agregação das nações, o que é particularmente válido para democracias maduras, em que o tempo longo utilizou essas interpretações do passado como materiais de construção de referenciais aglutinadores. Ora, a Espanha tem como Portugal uma democracia recente e aí o passado longínquo dificilmente cumpre essa função. No caso de Portugal, o pensamento de Eduardo Lourenço ajudou-nos a compreender que é difícil aos Portugueses irem buscar a esse passado mais longínquo o seu referencial aglutinador, apesar dos mais de 800 anos de história independente. É que a nossa relação com as nossas próprias epopeias foram sempre um fator de distorção da perceção da nossa pequenez e a grandeza espacial de outrora é irrecuperável, sobretudo num povo que não faz tribo, antes se combate e atomiza, como um reflexo do minifúndio que predominava entre as suas origens.

Luzón chama a atenção para a verdadeira epopeia que a construção e consolidação do regime constitucional entre 1975 e 1982 a partir da ditadura franquista representaram para os espanhóis nos primeiros tempos da democracia. Aliás, entre os conservadores e progressistas que ajudaram a escrever a constituição de 1978, encontramos grandes senhores que rapidamente foram substituídos na frente de opinião da sociedade espanhola por arrivistas e personagens do sistema financeiro espanhol que haveria de ruir com estrondo no pós-2007-2008. Não hesita por isso em considerar a Transição como o equivalente para os espanhóis da Revolução Francesa para os franceses.

O capital agregador da Transição espanhola está hoje em profunda ruína e não se vislumbra sucedâneo próximo para a mesma. Por um lado, os mais radicais revoltam-se contra a traição que em seu entender o pacto democrático de 1978 representou para a memória histórica dos derrotados da guerra civil, amnistiando e poupando a memória franquista. Por outro lado, a inabilidade do PP em gerir a Espanha das nações e o aventureirismo político do nacionalismo catalão têm destruído a convivência democrática que a Constituição de 1978 conseguiu à época construir. A reforma da constituição continua expectante e neste momento parece não haver condições para reconstruir um texto referencial e agregador, embora valha a pena esperar pelo exercício em curso a cargo do PSOE de o tentar.

Projetando o tema cá para o burgo e tendo em conta que a memória dos que viveram as expectativas do 25 de abril de 1974 se vai esbatendo, senão desaparecendo num futuro próximo, conviria irmos pensando no nosso referencial agregador, já que dentro de pouco tempo a revolução democrática perder-se-á na memória e a Europa não se afigura projeto capaz de referenciar o que quer que seja. Avisar não ofende.

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