(Ilustração de Eduardo Estrada para o artigo de Javier Moreno Luzón no El País)
(Problemas de democracias recentes, com nações
regionais)
Javier Moreno Luzón, catedrático de História na Complutense de Madrid,
assina hoje no El País um sugestivo artigo sobre os problemas que decorrem
presentemente da inexistência de um referencial agregador para o que costumo
designar de Espanha das nações.
A Espanha das nações é tudo menos a conceção centralista que inspira o PP
de Rajoy, o qual, embora beneficiado por uma recuperação que alinha entre as
mais robustas da União Europeia, tem cabeça demasiado dura para compreender o
que agrega e o que divide os Espanhóis.
O artigo de Luzón intitula-se sugestivamente de “La Transición, epopeya agrietada”
(qualquer coisa como epopeia fissurada). A argumentação do autor parte dos
referenciais históricos do passado como interpretações que cimentam a agregação
das nações, o que é particularmente válido para democracias maduras, em que o
tempo longo utilizou essas interpretações do passado como materiais de construção
de referenciais aglutinadores. Ora, a Espanha tem como Portugal uma democracia
recente e aí o passado longínquo dificilmente cumpre essa função. No caso de
Portugal, o pensamento de Eduardo Lourenço ajudou-nos a compreender que é difícil
aos Portugueses irem buscar a esse passado mais longínquo o seu referencial
aglutinador, apesar dos mais de 800 anos de história independente. É que a
nossa relação com as nossas próprias epopeias foram sempre um fator de distorção
da perceção da nossa pequenez e a grandeza espacial de outrora é irrecuperável,
sobretudo num povo que não faz tribo, antes se combate e atomiza, como um
reflexo do minifúndio que predominava entre as suas origens.
Luzón chama a atenção para a verdadeira epopeia que a construção e
consolidação do regime constitucional entre 1975 e 1982 a partir da ditadura franquista
representaram para os espanhóis nos primeiros tempos da democracia. Aliás,
entre os conservadores e progressistas que ajudaram a escrever a constituição
de 1978, encontramos grandes senhores que rapidamente foram substituídos na
frente de opinião da sociedade espanhola por arrivistas e personagens do
sistema financeiro espanhol que haveria de ruir com estrondo no pós-2007-2008. Não
hesita por isso em considerar a Transição como o equivalente para os espanhóis
da Revolução Francesa para os franceses.
O capital agregador da Transição espanhola está hoje em profunda ruína e não
se vislumbra sucedâneo próximo para a mesma. Por um lado, os mais radicais
revoltam-se contra a traição que em seu entender o pacto democrático de 1978
representou para a memória histórica dos derrotados da guerra civil,
amnistiando e poupando a memória franquista. Por outro lado, a inabilidade do
PP em gerir a Espanha das nações e o aventureirismo político do nacionalismo
catalão têm destruído a convivência democrática que a Constituição de 1978
conseguiu à época construir. A reforma da constituição continua expectante e
neste momento parece não haver condições para reconstruir um texto referencial
e agregador, embora valha a pena esperar pelo exercício em curso a cargo do
PSOE de o tentar.
Projetando o tema cá para o burgo e tendo em conta que a memória dos que
viveram as expectativas do 25 de abril de 1974 se vai esbatendo, senão
desaparecendo num futuro próximo, conviria irmos pensando no nosso referencial
agregador, já que dentro de pouco tempo a revolução democrática perder-se-á na
memória e a Europa não se afigura projeto capaz de referenciar o que quer que
seja. Avisar não ofende.
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