segunda-feira, 24 de agosto de 2015

SUBIR OU NÃO SUBIR AS TAXAS, EIS A QUESTÃO




(Um artigo importante de Lawrence Summers no fim-de-semana talvez ofuscado pelo dia negro nas bolsas, a instabilidade anda por aí)

O dia 23 de agosto trouxe-nos via Financial Times um artigo importante de Lawrence Summers que pode considerar-se um elemento de pressão sobre o comportamento do FOMC do FED e sobre a sua presidente Janet Yellen. O dia negro das bolsas mundiais com epicentro na instabilidade da economia chinesa, sobre cujos números todas as dúvidas começam a formar-se, talvez tenha ofuscado a repercussão do artigo de Summers, ou até talvez por outra via tenha desarmado a decisão que o FED anda há meses a anunciar irá provavelmente tomar, numa espécie de soft landing e longa preparação para as expectativas dos investidores americanos.

Mas regressemos ao motivo da crónica de Summers no FT e a publicação desse alerta neste jornal é, por si só, elucidativo de muita coisa.

Como várias foi aqui mencionado, o FED, puxado, por um lado, pela recuperação da economia americana e pela aproximação da taxa de desemprego aos níveis cada vez mais difíceis de medir com rigor de um desemprego dito natural ou incompressível e, por outro lado, pelos membros mais “falcões” que percecionam no ambiente de taxas nulas ou negativas a origem potencial de investimentos mal avaliados e uma nova bolha financeira, tem vindo a preparar o caminho a uma subida de taxas de referência do banco central americano. Numa primeira fase, Janet Yellen conseguiu travar os ímpetos dos adeptos internos de uma subida mais rápida das taxas, sobretudo jogando com indicadores sobre o funcionamento do mercado de trabalho mais abrangentes do que a taxa de desemprego, como a taxa de participação da força de trabalho e a não verificação de aumentos salariais potencialmente inflacionários. Os riscos de deflação, não apenas determinados pela tendência descendente dos preços do petróleo, também ajudaram a conter a referida ofensiva pela subida das taxas.

Porém, as mais recentes reuniões do FOMC têm revelado uma Janet Yellen cada vez mais recetiva a aceitar a fita ofensiva, ou pelo menos com menos capacidade para a suster.

É neste contexto que o artigo de Summers visa exercer alguma pressão no sentido contrário ao que a expressão pública do pensamento de Yellen e do FOMC parece querer sugerir. Summers não é peco quando defende que uma subida que ele considera precipitada até ao fim do ano constituirá uma ameaça a todos os objetivos prosseguidos pelo FED: estabilidade dos preços, pleno emprego e estabilidade financeira.

O objetivo da estabilidade dos preços está implicitamente ameaçado pois a inflação não dispara e a taxa de inflação objetivo considerada pelo FED de 2% é uma miragem, com 50% dos itens do índice de preços ao consumo a diminuir no último semestre. E as medidas que têm sido medidas sobre as expectativas inflacionários também se situam consideravelmente abaixo dos 2%. Uma subida precipitada das taxas, convidando os investidores a constituírem reservas monetárias em vez de investimento, já de per si ameaçadas pelos fatores estruturais da estagnação secular tão caras a Summers que cunhou o próprio conceito, tenderá a afetar negativamente a criação de emprego, numa recuperação que ainda não ganhou sustentação. E, finalmente, em termos de estabilidade financeira, Summers defende que o FED pode preocupar-se menos com a questão, pois os próprios mercados estão em correção, destruindo qualquer ambiente de euforia ou de confiança exagerada que possam gerar situações de bolha financeira. E, como não podia deixar de ser, Summers adverte que os mercados o que nos estão dizer é que em condições de estagnação estrutural as taxas de juro reais estarão obviamente próximas de zero talvez ao longo da próxima década.

A segunda feira negra estará provavelmente a dar razão a Summers, corrigindo a tal sobreconfiança e euforia que o FED pretenderia regular. E Summers regressa, pressionando, com a sua ideia de que só um aumento significativo do investimento público e privado poderá fazer subir a taxa real de juro compatível com o pleno emprego. Será Summers ouvido, sabendo que muita gente lhe aponta a vontade de ter ocupado o lugar que Janet Yellen hoje ocupa? Será que a segunda-feira negra amortecerá a pressão dos “falcões” para uma subida de taxas ainda este ano? Ou será que uma recuperação ainda pouco consolidada sucumbirá uma vez mais devido ao indevido exercício da política macroeconómica vindo dos lados do banco central americano? Seria uma injustiça de grande dimensão Janet Yellen ficar historicamente ligada a uma decisão errada dessa natureza! Ou será que o FED tem elementos que escapam à argúcia e pressão de Summers? Não digam por isso que os economistas são uns fantoches acomodados, incapazes de influenciar a história, para o mal e para o bem. 

Em sentido contrário à pressão de Summers, veja-se o artigo também no FT de Avinash Persaud.

A seguir nos próximos capítulos.

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