(Tão unidos que eles parecem)
(Revigorado e empolgado após as férias e apesar do buraco dos cartazes)
(Será que alguém parte à frente?)
O regresso em força da maioria no calçadão da Quarteira e a chegada de férias
de António Costa (curtas e não sossegadas, depreende-se do impacto que os tiros
no pé do PS terão produzido no seu ambicionado descanso) projetam-nos
inevitavelmente na disputa eleitoral, por mais mornas e desinteressantes que possam
ser estas duas últimas semanas do nosso querido agosto. E a pergunta incontornável
coloca-se: alguém partirá com vantagem?
A resposta a esta questão não é fácil, especialmente porque a realidade
tem-se revelado bastante mutável, não só porque o contexto em que decorre a
disputa eleitoral é variável, mas também porque os contendores se têm esforçado
que baste em matéria de tiros no pé e facilitação de vida ao adversário,
particularmente pelo lado do PS. Em pleno desenvolvimento dos impactos gravosos
do resgate da economia portuguesa e da chapa três da austeridade que foi
aplicada, e mesmo no período imediatamente após a conclusão do memorando, tudo
apontava para que a dianteira do PS não fosse questionada. António Costa tinha
agitado as hostes internas e de simpatizantes, forçando a rotura com o
apaparicado Seguro, não sem provocar sequelas que normalmente se servem frias e
bem longe dos eventos originais. A maioria ensaiava uma narrativa pouco
convincente, a coligação tardava a manifestar-se pronta para o embate e a memória
dos custos centrais e não apenas colaterais do ajustamento estava fresca,
bastava percorrer a folha salarial ou das pensões e fazer contas quanto a
impostos futuros. Entretanto, o PS iniciava a sua gesta programática,
projetando-se em forças futuras que ninguém conhecia, percorrendo a trajetória
da Agenda para a década, do cenário macroeconómico e finalmente do quadro
programático, trajetória difícil de inteligir por um cidadão ávido de
representação para as suas penas. Este compasso de espera em busca de uma coerência
programática deu espaço para muita coisa e quase toda ela desfavorável à dianteira
inicial gerada pela animação Costa.
Deu espaço, por exemplo, à degradação da situação europeia e das projeções
que dela podemos fazer para o contexto político europeu em que a alternativa do
PS irá ter que mergulhar. Em termos metafóricos, a espera e a degradação europeia
fizeram com que o muro europeu se mostrasse não só alto e difícil de trepar,
mas sobretudo feito de material bem robusto, capaz de partir as ferramentas de
combate de qualquer um, senão a cabeça. Boa gente que é, António Costa não
poderia obviamente aproveitar a prisão de Sócrates para se afastar criticamente
do que o ex-primeiro-ministro representa politicamente. Com o personagem em
Paris, em reflexão e estudo, não houve força para realizar essa avaliação crítica
dos seus tempos e modo de fazer política, muito menos agora se recomendaria tal
catarse. Mas a solução “à política o que é da política e à justiça o que é da
justiça” é uma espécie de bomba relógio cujo tic tac, mais rápido ou mais lento, está fora do controlo do PS,
numa luta desigual entre quem gere o não segredo de justiça e os defensores da
diferenciação de águas entre política e justiça. E com o muro europeu a
fortalecer-se, sem que alianças possíveis para o quebrar fossem visualizadas, e
com o fantasma de Évora a dominar as entrelinhas, a dita espera começou a gerar
uma desconformidade letal entre as expectativas de representação política dos
mais lesados e o que o PS tem para lhes oferecer. Até porque os outros
candidatos a essa representação de interesses não entusiasmam. O Bloco já não é
o que era, aqueles olhos de Catarina são o equivalente a um regaço e não é ao
regaço maternal que se regressa quando se quer combate. E dos restantes rostos
do Bloco alguém se lembra quem são? O PCP representa mas não surpreende. E o Livre
ainda não tem a massa crítica de representação que possa entusiasmar essa busca
de representação identitária. Tudo o resto são fogachos mediáticos, como Joana
Amaral Dias. E com os Portugueses é assim, ou se capta a revolta no momento
certo (veja-se a questão da TSU, a outra no passado próximo) ou rapidamente a
resignação se impregna.
Mas a dita espera (à espera do GODOT programático) não enfrentou apenas
estas degradações de contexto. Ainda estamos em economia de mercado, não se
esqueçam disso e esta, por mais duras que sejam as recessões, projeta sempre
alguma recuperação. Tanto mais facilitada quanto a austeridade começa a ser
amenizada (não disse abandonada) pela desaceleração dos cortes de despesa. Como
é óbvio, por detrás desta recuperação e da desaceleração dos cortes de despesa,
não está a maioria mas antes a resiliência das empresas portuguesas, sobretudo
as que já se adaptaram aos ditames da globalização e não estão apenas
dependentes do mercado angolano. E o que parece é que o PS não acertou ainda o
seu discurso face aos dados da recuperação. Sabemos que esta recuperação tem
dependido mais do consumo e do investimento do que das exportações, apesar da
resiliência destas últimas. Sabemos também que a mudança estrutural da economia
portuguesa não foi a que se pretendia que fosse, declaradamente mais intensiva
em tecnologia e em conhecimento e menos dependente da precarização do trabalho.
Em contexto eleitoral, é preciso tratar a recuperação com pinças. Não é fácil
depois de tanto pugnar pelo crescimento explicar ao cidadão comum que afinal o
crescimento observado não é o de melhor tipo, que as exportações resistem mas não
encerram em si a mudança estrutural pretendida e que o investimento regressou
mas para fazer mais do mesmo, aproveitando todos os mercados possíveis. Como
tenho vindo a insistir, o contrafactual, isto é o que aconteceria se …, é de complexa
comunicação em política.
A maioria compreende-o melhor do que ninguém e dá-se ao luxo de não
projetar para o eleitor qualquer mensagem de futuro, qualquer projeto para
superar estes constrangimentos estruturais que penalizam a relação
crescimento-défice externo.
E é neste contexto que penso que o PS pela mão de Mário Centeno comprou uma
guerra eleitoral difícil de ganhar com a redução da TSU a cargo dos
trabalhadores individuais de menos de 65 anos. Sobretudo porque se trata de uma
medida que não acrescenta rigorosamente nada aos tais problemas estruturais da
relação entre crescimento e défice externo e está centrada na gestão do curto
para o médio prazo gerando mais um efeito rendimento na economia. Com a
recuperação mesmo titubeante que se vive interrogo-me se vale a pena sacrificar
a mensagem eleitoral a um efeito rendimento que poderia ser criado por tantas
outras vias e do qual a economia talvez já não precise tanto como no momento em
que a ideia foi concebida. Não está em causa a segurança de Centeno em
desmontar o argumento da maioria de que a medida provocará uma bomba na
Segurança Social. Creio que tem razão e que a medida está orçamentalmente
respaldada. Mas esse não é o problema central. Será ela mesmo necessária? Supera
ela as desvantagens de comprometer a comunicação de aspetos bem mais positivos
do programa do PS? Não seria melhor combater o que significa o plafonamento proposto
pela maioria em tempos de desregulação e falta de confiança na seriedade do
sistema financeiro?
Por todas estas razões, a dianteira do PS está pelo menos questionada e com
razões objetivas, compreensíveis. E dessa quebra de dianteira poderão resultar
lios gigantescos que darão a um agonizante Cavado alguma margem de manobra na
sua respiração final. E talvez seja isto que me custa mais.
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