segunda-feira, 17 de agosto de 2015

NA LINHA DE PARTIDA

(Tão unidos que eles parecem)
(Revigorado e empolgado após as férias e apesar do buraco dos cartazes)



(Será que alguém parte à frente?)

O regresso em força da maioria no calçadão da Quarteira e a chegada de férias de António Costa (curtas e não sossegadas, depreende-se do impacto que os tiros no pé do PS terão produzido no seu ambicionado descanso) projetam-nos inevitavelmente na disputa eleitoral, por mais mornas e desinteressantes que possam ser estas duas últimas semanas do nosso querido agosto. E a pergunta incontornável coloca-se: alguém partirá com vantagem?

A resposta a esta questão não é fácil, especialmente porque a realidade tem-se revelado bastante mutável, não só porque o contexto em que decorre a disputa eleitoral é variável, mas também porque os contendores se têm esforçado que baste em matéria de tiros no pé e facilitação de vida ao adversário, particularmente pelo lado do PS. Em pleno desenvolvimento dos impactos gravosos do resgate da economia portuguesa e da chapa três da austeridade que foi aplicada, e mesmo no período imediatamente após a conclusão do memorando, tudo apontava para que a dianteira do PS não fosse questionada. António Costa tinha agitado as hostes internas e de simpatizantes, forçando a rotura com o apaparicado Seguro, não sem provocar sequelas que normalmente se servem frias e bem longe dos eventos originais. A maioria ensaiava uma narrativa pouco convincente, a coligação tardava a manifestar-se pronta para o embate e a memória dos custos centrais e não apenas colaterais do ajustamento estava fresca, bastava percorrer a folha salarial ou das pensões e fazer contas quanto a impostos futuros. Entretanto, o PS iniciava a sua gesta programática, projetando-se em forças futuras que ninguém conhecia, percorrendo a trajetória da Agenda para a década, do cenário macroeconómico e finalmente do quadro programático, trajetória difícil de inteligir por um cidadão ávido de representação para as suas penas. Este compasso de espera em busca de uma coerência programática deu espaço para muita coisa e quase toda ela desfavorável à dianteira inicial gerada pela animação Costa.

Deu espaço, por exemplo, à degradação da situação europeia e das projeções que dela podemos fazer para o contexto político europeu em que a alternativa do PS irá ter que mergulhar. Em termos metafóricos, a espera e a degradação europeia fizeram com que o muro europeu se mostrasse não só alto e difícil de trepar, mas sobretudo feito de material bem robusto, capaz de partir as ferramentas de combate de qualquer um, senão a cabeça. Boa gente que é, António Costa não poderia obviamente aproveitar a prisão de Sócrates para se afastar criticamente do que o ex-primeiro-ministro representa politicamente. Com o personagem em Paris, em reflexão e estudo, não houve força para realizar essa avaliação crítica dos seus tempos e modo de fazer política, muito menos agora se recomendaria tal catarse. Mas a solução “à política o que é da política e à justiça o que é da justiça” é uma espécie de bomba relógio cujo tic tac, mais rápido ou mais lento, está fora do controlo do PS, numa luta desigual entre quem gere o não segredo de justiça e os defensores da diferenciação de águas entre política e justiça. E com o muro europeu a fortalecer-se, sem que alianças possíveis para o quebrar fossem visualizadas, e com o fantasma de Évora a dominar as entrelinhas, a dita espera começou a gerar uma desconformidade letal entre as expectativas de representação política dos mais lesados e o que o PS tem para lhes oferecer. Até porque os outros candidatos a essa representação de interesses não entusiasmam. O Bloco já não é o que era, aqueles olhos de Catarina são o equivalente a um regaço e não é ao regaço maternal que se regressa quando se quer combate. E dos restantes rostos do Bloco alguém se lembra quem são? O PCP representa mas não surpreende. E o Livre ainda não tem a massa crítica de representação que possa entusiasmar essa busca de representação identitária. Tudo o resto são fogachos mediáticos, como Joana Amaral Dias. E com os Portugueses é assim, ou se capta a revolta no momento certo (veja-se a questão da TSU, a outra no passado próximo) ou rapidamente a resignação se impregna.

Mas a dita espera (à espera do GODOT programático) não enfrentou apenas estas degradações de contexto. Ainda estamos em economia de mercado, não se esqueçam disso e esta, por mais duras que sejam as recessões, projeta sempre alguma recuperação. Tanto mais facilitada quanto a austeridade começa a ser amenizada (não disse abandonada) pela desaceleração dos cortes de despesa. Como é óbvio, por detrás desta recuperação e da desaceleração dos cortes de despesa, não está a maioria mas antes a resiliência das empresas portuguesas, sobretudo as que já se adaptaram aos ditames da globalização e não estão apenas dependentes do mercado angolano. E o que parece é que o PS não acertou ainda o seu discurso face aos dados da recuperação. Sabemos que esta recuperação tem dependido mais do consumo e do investimento do que das exportações, apesar da resiliência destas últimas. Sabemos também que a mudança estrutural da economia portuguesa não foi a que se pretendia que fosse, declaradamente mais intensiva em tecnologia e em conhecimento e menos dependente da precarização do trabalho. Em contexto eleitoral, é preciso tratar a recuperação com pinças. Não é fácil depois de tanto pugnar pelo crescimento explicar ao cidadão comum que afinal o crescimento observado não é o de melhor tipo, que as exportações resistem mas não encerram em si a mudança estrutural pretendida e que o investimento regressou mas para fazer mais do mesmo, aproveitando todos os mercados possíveis. Como tenho vindo a insistir, o contrafactual, isto é o que aconteceria se …, é de complexa comunicação em política.

A maioria compreende-o melhor do que ninguém e dá-se ao luxo de não projetar para o eleitor qualquer mensagem de futuro, qualquer projeto para superar estes constrangimentos estruturais que penalizam a relação crescimento-défice externo.

E é neste contexto que penso que o PS pela mão de Mário Centeno comprou uma guerra eleitoral difícil de ganhar com a redução da TSU a cargo dos trabalhadores individuais de menos de 65 anos. Sobretudo porque se trata de uma medida que não acrescenta rigorosamente nada aos tais problemas estruturais da relação entre crescimento e défice externo e está centrada na gestão do curto para o médio prazo gerando mais um efeito rendimento na economia. Com a recuperação mesmo titubeante que se vive interrogo-me se vale a pena sacrificar a mensagem eleitoral a um efeito rendimento que poderia ser criado por tantas outras vias e do qual a economia talvez já não precise tanto como no momento em que a ideia foi concebida. Não está em causa a segurança de Centeno em desmontar o argumento da maioria de que a medida provocará uma bomba na Segurança Social. Creio que tem razão e que a medida está orçamentalmente respaldada. Mas esse não é o problema central. Será ela mesmo necessária? Supera ela as desvantagens de comprometer a comunicação de aspetos bem mais positivos do programa do PS? Não seria melhor combater o que significa o plafonamento proposto pela maioria em tempos de desregulação e falta de confiança na seriedade do sistema financeiro?

Por todas estas razões, a dianteira do PS está pelo menos questionada e com razões objetivas, compreensíveis. E dessa quebra de dianteira poderão resultar lios gigantescos que darão a um agonizante Cavado alguma margem de manobra na sua respiração final. E talvez seja isto que me custa mais.

Sem comentários:

Enviar um comentário