(Sobre um certo jornalismo que não oculta ao que
vem)
É preciso algum estômago para ler sem sobressalto gástrico algumas peças do
Observador. Mas apesar desse risco, tal esforço permite compreender algum do
pensamento que certos setores da maioria gostariam de expressar mais
claramente, se não fosse o alerta político eleitoral refrear tais entusiasmos.
Já aqui anteriormente defendi que João Marques de Almeida (JMA) é uma espécie
de duplo alcoviteiro da maioria, mais propriamente de uma corrente falsamente
liberal que se instalou sobretudo no PSD, sedentos de expurgar de vez o que
consideram ser os arcaísmos da sociedade e da economia portuguesa. Ou seja, é o
boneco alter ego de tal corrente, colocando no jornal o que esse discurso político
ainda não permite expressar sem calculismos.
Pois desta vez, JMA atira-se de lâminas afiadas para zurzir na personagem José Pacheco Pereira, focando-o como inimigo central, alguém que é capaz de uma
contundência que o calculismo político do PS e dos seus ideólogos principais
está longe de querer assumir. E fá-lo com o fel próprio dos que se insurgem
contra os que não dependem da política, uma situação que os incomoda
estruturalmente, pois a independência face aos aparelhos e às pancadinhas nas
costas é coisa que perturba qualquer um dos que não estão habituados a esse
tipo de crítica independente.
O veneno destilado de JMA é a voz dos que no PSD já não suportam tanta
arrogância do cronista e comentador que de facto não morre de amores pelo
primeiro-Ministro e seu séquito ideológico. O artigo é assim um misto camuflado
de crítica do pensamento de JPP, acusando-o por exemplo, sem ser visível no
artigo a fonte segura da sua argumentação, de utilização descontextualizada do
pensamento de Sá Carneiro e da mais pura tentativa de lavagem de roupa mais íntima,
quando por exemplo zurze na passagem de JPP pelo Parlamento Europeu.
Mas a melhor prova do estatuto de duplo alcoviteiro da corrente que suporta
Passos é a tese central do artigo que considera JPP um político falhado: “Se tivesse sido a primeira-ministra Ferreira Leite a
aplicar o memorando de entendimento, Pacheco teria sido o grande ideólogo da
austeridade”. Argumento do mais rasteiro, pois se bem tenho
interpretado o pensamento de JPP não está em causa a ideia de contenção de
contas públicas e da austeridade associada, mas muito mais o modo como foi
praticada e sobretudo o discurso de encenação que foi produzido para justificar
a cantilena da recuperação que a austeridade tornou possível.
E chegamos ao que de mais absurdo este estado das coisas nos conduziu, ou
seja comentando o pensamento rasteiro de um duplo alcoviteiro da maioria sobre
um ainda militante social-democrata e não sobre as suas diatribes sobre a
oposição. O que está em linha com o estado da evangélica campanha do PS, que
muda de responsável numa tentativa espera-se de arrepiar caminho.
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