quarta-feira, 12 de agosto de 2015

PINCELADAS NORUEGUESAS (III)

(Jenny K. Blake, in “The Norway Way”)

Volto à carga nórdica. E abro com o altíssimo custo de vida que se regista na Noruega, seguramente um dos países mais caros do mundo. Exemplos? Haveria muito boa gente a referenciar as compras na Suécia (cujos produtos são tidos por ser, em média grosseira, 30% mais baratos) como um “desporto nacional” norueguês, mas o meu conhecimento de experiência feito é que nunca tomei um café “expresso” por menos de 33 coroas (um pouco mais do que 4 euros). Dito isto, acontece também que tal regra convive com algumas exceções dificilmente explicáveis, que vamos encontrando aqui e ali, e com diferenças de certa significância à medida que nos afastamos da capital.

Em termos sociais e coletivos, as manifestações de abertura e compromisso democrático, sobretudo relativamente ao respeito quase sagrado pelos direitos dos outros, são um agradável tropeção constante. Ilustro-o com a igualdade entre sexos, uma matéria que é tratada da forma mais escorreita e natural que alguma vez me foi dado assistir por esse mundo fora em termos tão maciços, ao ponto latinamente pouco compreensível de até os controlos aeroportuários de bagagem poderem ser feitos sem hesitações nem contestações por homens a mulheres e vice-versa. O reverso da medalha poderá estar em certos exageros desagradáveis que podem resultar como efeitos secundários – veja-se o estranho caso daquelas casas de banho públicas que parecem parodiar os valores da Revolução Francesa em plena zona ajardinada contígua à principal rua da capital, a Karl Johans gate.


Acrescente-se que a transparência, a honestidade intelectual e a igualdade de oportunidades parecem ser alguns dos valores mais generalizadamente admirados no tocante à relação dos cidadãos com a esfera política. O que explica que seja amplamente divulgada a fortuna pessoal do rei (3 milhões de euros), que o líder trabalhista e então primeiro-ministro Jens Stoltenberg não se tenha eximido a assumir culpabilidades objetivas no terrível atentado perpetrado na ilha de Utøya pelo nazi Breivik em 2011 ou que os noruegueses, embora vendo-o como o político mais popular, tenham maioritariamente decidido em seu desfavor a pretexto de uma necessária e incontornável rotatividade no poder – com a conservadora Erna Solberg a acabar por constituir um governo de coligação e o desocupado Stoltenberg a tornar-se, entretanto, secretário-geral da NATO.

Na mesma linha, o commitment público-privado é igualmente muito elevado. Com o forte contributo, obviamente, da abençoada dotação em petróleo e gás que coube em sorte à Noruega desde 1969. Mas também, e importa relevá-lo, através de um inteligente aproveitamento próprio e nacional dessa feliz descoberta. Do lado público, as regras do fundo soberano constituído em 1990 com partes dos lucros gerados pela extração do petróleo e os sucessivos aperfeiçoamentos e correções de percurso verificados nos seus mecanismos de gestão e transparência são aspetos exemplares – basicamente, o fundo é hoje estatutariamente propriedade do povo norueguês e objeto de controlo por parte do governo, mas tem uma administração independente e centrada no banco central. Do lado privado, a disponibilidade para aceitar com normalidade algumas práticas nada evidentes em face das cicunstâncias – como é o caso, por exemplo, da tributação de produtos estrangeiros (do leite ao álcool) e, pasme-se!, do elevadíssimo preço da gasolina num país produtor – elucidam bem a forma como foi comunitariamente internalizada a ideia de um benefício raro e finito e de um benefício a ter assim de ser explorado em favor do povo norueguês no seu todo intergeracional (o fundo soberano, que é o maior do mundo e detém ativos de muitos milhares de milhões de dólares, é desde 2006 designado por Fundo Estadual de Pensões, e não mais por Fundo do Petróleo, para deste modo sinalizar o seu principal objetivo de constituir um meio capaz de garantir a todos os noruegueses níveis de vida equilibrados ao longo da vida).

E lá dei por mim a pensar que esta gente só realmente por enorme distração poderia ter optado por aderir à União Europeia. Uma verdade que, se já o era ao tempo em que a hipótese seriamente se pôs e as rendas petrolíferas ainda desabrochavam, virou uma perfeita e absoluta impossibilidade nos tempos que correm.

Termino com algumas curtas e desgarradas, com o dedicado apoio visual das fotos abaixo: você sabia que a importação de álcool está sujeita a um monopólio de Estado, que o preço dos carburantes excede a exorbitância do nosso, que o “Aker Stadium” de Molde estará no top mundial de localizações privilegiadas, que existe uma loja de pastéis de nata (Álvaro, que saudades!) recém-aberta por um casal gay (português e alemão, vejam bem!) no centro da capital norueguesa e que foi na inauguração da belíssima Ópera de Oslo (2008) que Angela Merkel se apresentou ao mundo na sua mais afirmativa feminilidade?

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