domingo, 16 de agosto de 2015

A TRANÇA DO PODER




(Das patilhas de Felipe Gonzaléz ao rabo de cavalo de Pablo Iglesias, ou a mordacidade implacável de Manuel Vicent))

A prosa mordaz e incisiva de Manuel Vicent, jornalista do El País, traz-me sempre a segurança de um texto implacável, rosnando por vezes, mas sempre direta ao tutano das coisas e justificando os minutos em que se deixa tudo para trás para simplesmente fluir na crónica.

A crónica de última página do El País de hoje é um documento precioso para compreender a situação política espanhola, da ascensão e talvez queda do PODEMOS e sobretudo de Pablo Iglesias, seu líder por demais mediático e carismático.

Se o apocalipse dá dinheiro, então para a frente com ele, pensavam os gerifaltes (chefões) das televisões privadas, porque a liberdade de expressão é muito mais sagrada quando faz engordar a conta de resultados”. Basta esta breve citação para compreender a força da prosa de Vicent e neste caso a chave da explicação para a ascensão meteórica de Pablo Iglesias. Imaginem que uma personalidade qualquer antissistema partidário tinha emergido em Portugal ao abrigo de uma televisão privada arrebatando primeiro audiências nas tertúlias políticas e lançando depois um movimento político de denúncia do logro e fracasso do sistema partidário, arrastando consigo os deserdados, marginalizados, injustiçados e explorados que não se reviam nas propostas políticas inclusivamente as provenientes de partidos de protesto como o PCP ou o Bloco. Teríamos assim um Pablo Iglesias português, inexistente de acordo com a evidência política.

Vicent usa metaforicamente a evolução possível do ar tipo hippie dos anos 60, com aquele aspeto de índio apache misturado com um ar de profeta, para descrever a transformação provável de alguém que capitaliza um protesto e um vazio político de representação quando passa a ser influente, pelos votos obtidos, na evolução da situação política até chegar a uma posição eventual de poder, como é o caso de Tsipras na Grécia. E fá-lo com uma comparação surpreendente (que a memória já não me permite recordar) com a evolução das patilhas de Felipe González até à sua chegada a Moncloa.


Para lá da metáfora de Vicent, estamos aqui com uma matéria de grande sugestão política. Como é que uma massa eleitoral de grande expressão inicial (nas sondagens e posteriormente nas Europeias e na forma difusa como se materializou enchendo algumas vitórias autárquicas de grande significado a nível local) que Iglesias acabou por imprimir ao PODEMOS evoluirá à medida que esta força política alimente ou não pactos de poder anti Partido Popular? Será que a manutenção de uma retaguarda nesses pactos protegerá o PODEMOS da usura política? Será que Pablo estará disposto a abdicar da sua auréola, da sua marca mediática indiscutível, para se esvair no turbilhão desses pactos?

Face a estas evoluções metafóricas possíveis dos símbolos da rebeldia, das camisas e trajos de cabedal de Varoufakis à trança de Iglesias passando pelas patilhas recordadas de Felipe González e do que elas representam de mais substancial, compreende-se o que custa aos líderes de protesto passarem a linha vermelha da discussão das questões concretas da governação. Imaginem um Francisco Louçã ministro de um governo de coligação de esquerda! Mas nem sequer nestas matérias a situação política portuguesa tem algo de interessante. O populismo rasteiro de Marinho Pinto é pouco. Temos de facto uma democracia com fraca capacidade de se abanar e de regeneração endógena e exógena. E não teríamos prosa como a de Manuel Vicent para zurzir nos seus tiques mais profundos. O que seria um grande aborrecimento.

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