segunda-feira, 31 de agosto de 2015

SÉRGIO GODINHO, 70 ANOS

(Jorge Rosa, http://www.fotolog.com)


Para além de ser um dos nossos grandes autores, Sérgio Godinho é uma das constantes da vida de muitos de nós e provavelmente o mais intergeracional de entre os nossos intérpretes, compositores e poetas. Sérgio, que completa hoje sete décadas de uma vida cheia.

Recordo algumas das suas mensagens mais antigas e que ficaram gravadas para sempre, começando pelas mais intimistas. Como o “primeiro dia”: “A principio é simples, anda-se sozinho / Passa-se nas ruas bem devagarinho / Está-se bem no silêncio e no borburinho / Bebe-se as certezas num copo de vinho / E vem-nos à memória uma frase batida / Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”. Ou aquela pergunta do refrão de “com um brilhozinho nos olhos” (“E o que é que foi que ele disse? / Hoje soube-me a pouco (...) / Passa aí mais um bocadinho / Que estou quase a ficar louco / Hoje soube-me a tanto (...) / Portanto / Hoje soube-me a pouco”) acrescida daquela síntese final (“E com um brilhozinho nos olhos /Tentámos saber / Para lá do que muito se amou / Quem éramos nós / Quem queríamos ser / E quais as esperanças / Que a vida roubou / E olhei-o de longe / E mirei-o de perto / Que quem não vê caras / Não vê corações / E com um brilhozinho nos olhos / Guardei um amigo / Que é coisa que vale milhões”). Ou o inevitável “espalhem a notícia” em que Sérgio nos confessa a quase todos: “Eu fui ao fim do mundo / Eu vou ao fundo de mim / Vou ao fundo do mar / Vou ao fundo do mar / No corpo de uma mulher / Vou ao fundo do mar / No corpo de uma mulher bonita”. Ou, ainda, “a noite passada” em que (...) um paredão ruiu / pela fresta aberta o meu peito fugiu / estavas do outro lado a tricotar janelas /vias-me em segredo ao debruçar-te nelas / cheguei-me a ti disse baixinho ‘olá’, / toquei-te no ombro e a marca ficou lá / o sol inteiro caiu entre os montes / e então olhaste / depois sorriste / disseste ‘ainda bem que voltaste’”. Ou, também, as referências aos “dias em que um beijo bastava” ou a que “o amor não é o bilhete de identidade” no desencantado “2º Andar Direito”: “Não fales, que o bebé ainda acorda / não grites, que o vizinho ainda acorda / e não me olhes, que o amor ainda acorda / deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais / deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais”. Sem esquecer as origens com “a lágrima ao canto do olho”: “Ai, eu estive quase morto / no deserto / e o Porto / aqui tão perto”.

E apelo, depois, às outras mensagens, mais datadas mas igualmente poderosas no plano da coerência de uma irrepreensível presença cívica. Como o “Que força é essa / que força é essa / que trazes nos braços / que só te serve para obedecer / que só te manda obedecer / Que força é essa, amigo / que força é essa, amigo / que te põe de bem com outros / e de mal contigo”. Ou aquela interrogação que nos assalta: “Pode alguém ser livre / se outro alguém não é / a corda dum outro / serve-me no pé / nos dois punhos, nas mãos / no pescoço, diz-me: / Pode alguém ser quem não é?”. Ou “os pequenos nadas” da vida: “Somos tantos a não ter quase nada / porque há uns poucos que têm quase tudo / mas nada vale protestar / o melhor ainda é ser mudo / isto diz de um gabinete / quem acha que o cassetete / é a melhor das soluções / para resolver situações / delicadas / a vida é feita de pequenos nadas”. Ou a proclamação pela “liberdade” em pleno PREC: “Vivemos tantos anos a falar pela calada / Só se pode querer tudo quando não se teve nada / Só quer a vida cheia quem/ teve a vida parada / Só quer a vida cheia quem teve a vida parada / Só há liberdade a sério quando houver / A paz, o pão / habitação / saúde, educação / Só há liberdade a sério quando houver / Liberdade de mudar e decidir / quando pertencer ao povo o que o povo produzir”. Ou a tão atual busca por um emprego: “Se eu mandasse neles / os teus trabalhadores / seriam uns amores / greves era só / das / seis e meia às sete / em frente a um cassetete / primeiro de Maio / só de quinze em quinze anos / feriado em Abril / só no dia dos enganos / e reivindicações / quanto baste ma non troppo / anda, bebe mais um copo / arranja-me um emprego/ Arranja-me um emprego / pode ser na tua empresa / concerteza / que eu dava conta do recado / e para ti era um sossego”. Ou as outras causas: “Etelvina já cansada de viver sem ninguém / A não ser de vez em quando amores de vai e vem / Pôs um anúncio no jornal que dizia assim: / ‘Mulher desembaraçada/ Quer viver com alma irmã / De quem não seja criada/ De quem não seja mamã’”.

Fica bem e sempre acompanhado por esse teu tão inconfundível modo de ser e estar – parabéns, Sérgio!

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