segunda-feira, 31 de agosto de 2015

PRELIMINARES ELEITORAIS III




(Perspetivas em torno das contas nacionais INE 2º trimestre de 2015)

A marcação já há muito deixou de ser à zona, para ser implacavelmente realizada sobre cada facto económico que venha à rede. A publicação das Contas Nacionais Trimestrais – 2º trimestre de 2015 por parte do INE, com crescimento em termos homólogos de 1,5% e 0,4% em relação ao trimestre anterior (o chamado crescimento em cadeia), teria de suscitar forçosamente uma marcação cerrada por parte do PS e da maioria.

A minha interpretação é a de que paradoxalmente, isto é de modo aparentemente favorável à maioria pelo motivo do retorno do crescimento e das suas consequências sobre o emprego, as contas do 2º trimestre de 2015 favorecem a posição do PS, sobretudo se for acompanhada da transmissão de ideias fortes sobre o comportamento da economia neste trimestre.

Vou tentar justificar a minha interpretação, num contexto em que tenho de reconhecer o PS precisa urgentemente de pontos para assumir a contagem final.

Ora o que é os dados nos oferecem de reflexão relevante?

O principal dado que a nota estatística do INE nos fornece é a fortíssima dependência que o crescimento económico revelou face ao crescimento da procura interna, mais propriamente do consumo privado (compra de automóveis e aceleração do consumo de bens não duradouros e serviços). Onde é que eu já ouvi esta história? Esse contributo para o crescimento (em termos homólogos) foi de 1,8 p.p. ao passo que o contributo da procura externa caiu para – 1,9 p.p. Ora esta história de crescimento não é nada favorável à maioria. Ela coloca em evidência que a terapêutica da austeridade se limitou a introduzir penosidade e a não provocar qualquer transformação estrutural que se veja. A prova é que a recuperação se faz neste trimestre essencialmente à custa do consumo privado. Bastou, tal como Reino Unido, aliviar um pouco a carga austeritária e aí está pouco sustentadamente o consumo a tomar as rédeas do crescimento. Por conseguinte, o discurso de que a receita da consolidação abrupta das contas públicas ou para além do memorando que a maioria apresentou como um tratamento eficaz para proporcionar uma recuperação mais saudável é uma treta. Mário Centeno na sua alocução de hoje fez bem em insistir sobre esta contradição do discurso da maioria e se Costa for hábil no debate com Passos Coelho pode encostá-lo à parede com esta contradição de discurso. Mas atenção que algo de similar se passou no Reino Unido e os Conservadores ganharam. A diferença é que o Reino Unido quando inicia a recuperação não tem sobre os seus ombros a responsabilidade da mudança estrutural que pesa sobre a economia portuguesa. Isso faz muita diferença.

Mas o PS não pode baixar a guarda. O 2º trimestre de 2015 mostra o motivo da minha preocupação em posts anteriores quando referia que o PS aposta na criação de efeitos rendimento na economia para assegurar a transição entre o curto e o médio prazo quando esses efeitos rendimento já estão de certo modo a ser criados pela maioria com o seu alívio da torneira fiscal. O PS tem de bater-se pela recuperação com maior incorporação de investimento e sobretudo de investimento orientado para atividades marcadamente extrovertidas, caso contrário terá uma recuperação do tipo da que a maioria pode oferecer neste 2º trimestre e essa, como é visível na nota do INE, agravou o desequilíbrio externo. Bem sei que criar efeitos estruturais de procura é bem mais complexo do que gerar efeitos de rendimento geradores de incremento do consumo. Mas não há volta a dar nesta matéria. Os efeitos rendimento terão de ser seletivos e sobretudo orientados para recompor franjas de mercado interno estupida e desnecessariamente destruídas, mas atenção que a maioria está a criá-los, aliviando a pressão fiscal para eleitor sentir no bolso.

Os dados do 2º trimestre de 2015 oferecem ainda um motivo de desvalorização das posições da maioria, desta vez centrados no investimento. Ora, apesar de um crescimento homólogo de 7% em volume, o resultado obtido foi sobretudo resultado dos stocks terem inchado. A formação bruta de capital fixo, a única componente que interessa em termos de sustentação do crescimento a longo prazo, desacelerou, embora crescendo neste trimestre.

Ou seja, em resumo, indicadores muito maus para a cantilena da maioria de que a penosidade do sacrifício potenciou uma recuperação saudável. De saudável ela tem muito pouco. Farta matéria para o PS acentuar as componentes do seu programa que podem potenciar um arranque de crescimento mais sustentado e retirar alguma importância aos efeitos rendimento que não aqueles expressamente orientados para a reposição das condições mínimas de vida.

Aposto que a comunicação social vai passar ao lado destas contradições do discurso da maioria. Cabe ao PS forçá-la a não ignorar estes argumentos. Com mensagens claras e dirigidas. Afinal a recuperação que a maioria consegue está cheia dos aspetos que ela acusa ir o programa do PS gerar. Marco António pode pôr a cara de pau que entender e os óculos mais in que encontre no mercado, negando as evidências e efabulando sobre os números do INE,  mas da contradição do discurso não se safa não.

Os preliminares começam a aquecer.

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