(Neste caso não por via da incontornável política
fiscal em ambiente de armadilha da liquidez)
Se não houvesse outra consequência da conflitualidade macroeconómica gerada
pela incipiente recuperação do pós 2007-2008 em ambiente de taxas de juro quase
nulas a maneira como o turbilhão de ideias associado a esse ambiente fez
ressuscitar o pensamento de Keynes bastaria para compreendermos que algo mudou.
Do Keynes ignorado por muitos e precocemente atirado para o grupo das relíquias
do pensamento económico ao Keynes revisitado, clarividente, combinando o rigor
formal e a aguda perceção dos meandros mais recônditos da economia real e
financeira, assistimos hoje a um ambiente intelectual bem mais vivo do que
aquele que o mainstream neoclássico
pincelado com o mundo das expectativas racionais tinha projetado.
E o que é mais estimulante é que o Keynes revisitado não é apenas o do
quadro de pensamento da Teoria Geral, mas antes o Keynes intelectual de grande
espectro. Estou, por exemplo, a visualizar na minha estante os Essays in Persuasion e a todo o momento se
identificam revisitações sobre essa dimensão menos conhecida do seu pensamento.
De repente, por exemplo, o modo como Keynes seguiu e escreveu sobre as negociações
posteriores à 1ª Guerra Mundial e a sua participação nas discussões para uma
nova ordem económica internacional no pós-segunda guerra mundial regressa ao
universo das leituras cruciais para compreendermos e contextualizarmos
historicamente os problemas de hoje.
Num curto espaço de dias, dois ilustres cronistas do Financial Times, TimHarford e John Kay, assinam dois artigos
em que a sombra desse Keynes está presente.
O primeiro discute uma das mais conhecidas profecias de Keynes que
provavelmente nunca será realizada. Num célebre ensaio de 1930 sobre as
possibilidades económicas dos netos de então, Keynes estimava que, em 2030, o
bem-estar material dos ingleses seria 8 vezes superior ao que se vivia na altura
e que nessa data as pessoas só necessitariam de trabalhar 15 horas por semana.
Se não fora a agudização da desigualdade que as economias avançadas estão hoje
a viver intensamente, o capitalismo teria condições de concretizar e superar de
largo a primeira profecia de Keynes. Até às imediações dos anos 2000, o
crescimento económico e a produtividade garantiram níveis de aumento
exponencial do bem-estar material, em algumas situações infinitos, já que estamos
a falar de produtos para os quais não existe rival no passado. Não só acedemos
a bens de consumo melhores do que os nossos antepassados modernos puderam
experimentar, como o fazemos necessitando de trabalhar menos horas de trabalho
e menor salário para o conseguirmos.
Mas quanto à segunda profecia ela parece a 15 anos do teste definitivo
(2030) estar longe de poder ser concretizada e interessará saber porquê. O capitalismo
parece ter entrado numa perfeita esquizofrenia. Os que conseguem ter emprego e
os melhores empregos trabalham como mulas (não se compreende bem por que razão)
e o desemprego estrutural é hoje nas economias maduras significativo, a ponto
de reeditar a velha questão do desemprego tecnológico, que outrora movimentava
os sindicatos contra a ameaça da máquina e da destruição do emprego. Esta questão
está hoje mais complexa porque progresso tecnológico e globalização se
potenciam muitas vezes. E afinal, como Harford conclui o seu artigo, Keynes
podia ser considerado um homem de posses e não parou de trabalhar até à sua morte.
O artigo de John Kay é muito subtil e centra-se na frequente incapacidade
dos economistas em reconhecer que estão errados em função de evidência. Neste
caso, a sombra de Keynes está presente através de uma afirmação que é regra
geral atribuída a Keynes: “Quando os factos mudam, eu mudo de opinião e o
senhor?”. Não está provado que tenha sido de facto Keynes a proferir essa bela
frase e atribui-se a mesma ou variantes da mesma (com informação em vez de
factos) a Paul Samuelson que também a atribui a Keynes. Poderão encontrar aqui
(no Quote Investigator) uma boa resenha da
discussão das origens de tão atual e pertinente frase.
Nos tempos que correm, há demasiados economistas a coligir dados e evidência
não para testar a veracidade e consistência das suas posições mas mais para
preservar a sua intocabilidade. Como diz Kay na parte final do seu artigo, a
capacidade de intervir embora reconhecendo os limites do seu conhecimento é
coisa essencial mas rara nos dias de hoje.
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