(Reflexões
avulsas sobre o tema da qualidade do trabalho e do emprego, cuja variabilidade
de perceções parece andar ligada à também variável perceção de como a
tecnologia pode influenciar o emprego e as condições de trabalho)
Voltando ao tema do futuro do trabalho, não é pura coincidência se a questão
de saber se teremos empregos futuros e que qualidade terão esses eventuais
postos de trabalho concentra de novo a atenção dos economistas e outras
perspetivas sobre o mundo do trabalho num período em que o progresso tecnológico
volta a estar na berlinda. Claro que o revisitar da tecnologia é largamente
impulsionado pelo baixo crescimento da produtividade que tem vindo a
observar-se na generalidade das economias mais avançadas, em regra também
fazendo parte da chamada fronteira tecnológica, ou seja, os países em que o conhecimento
científico e tecnológico mais rapidamente se transformação em inovação, criando
valor. Sabemos que o progresso tecnológico pode ser associado quer a um fluxo
contínuo e regular de inovações, quer a processos mais disruptivos em que uma
inovação ou um conjunto de inovações maiores revolucionam em certos momentos do
tempo os processos produtivos, gerando a partir daí longos e fascinantes
processos de disseminação, réplica e ajustamento de inovações. Mas qualquer que
seja o modelo de geração de inovações que escolhamos para compreender a evolução
tecnológica, o tempo que medeia entre a assunção económica de uma nova
tecnologia e a produção de resultados em termos de produtividade é por vezes
longo. A disseminação de conhecimento científico e tecnológico nas empresas e
nas mediações organizacionais e de formação de competências que isso implica
continua a revelar zonas de obscuridade, não sendo por vezes percetíveis as razões
que explicam por que razão algumas inovações se repercutem mais rapidamente em
crescimentos de produtividade do que outras.
Por isso, nada nos garante que não estejamos a viver um período dessa
natureza. A aparente acalmia ou mesmo interrupção do processo de introdução e
difusão de inovações, indiretamente medida pelo aparente estancamento da
produtividade, pode coexistir hoje com aceleração do conhecimento científico e
tecnológico com potencial de geração de valor e isso ser explicado pelo longo
período de maturação das mudanças organizacionais que puxarão para cima o ritmo
de crescimento da produtividade.
Que a tecnologia tende a gerar a desconfiança do mundo do trabalho em
contextos de desemprego elevado isso não é novidade. O que é hoje novidade é
essa desconfiança regressar num momento em que o desemprego elevado coexiste
com o abrandamento da produtividade. A equação é afinal sempre a mesma,
independentemente do contexto histórico: um aumento de produtividade significa,
transitória ou duradouramente (muitas vezes só o tempo o dirá), que para a
mesma produção necessito de mesmo trabalho. A libertação potencial de emprego
potenciada pelo aumento da produtividade só não se traduzirá em destruição de
emprego, se os empregos potencialmente libertados encontrarem procura que
potencie produção adicional (aumento de produtividade significa também poder
produzir mais com os mesmos recursos de trabalho). Ora, o que sabemos é que
essa equação de destruição ou compensação de emprego potencialmente destruído não
é instantânea. Pode levar tempo, embora saibamos que os que apanham o seu posto
de trabalho destruído não se alimentam de tempo. Regra geral, ou seja,
historicamente falando, o mesmo progresso técnico que destrói emprego também
cria oportunidades de investimento que trazem novos empregos. Mas normalmente há
sempre quem perca, embora globalmente a criação de novos empregos possa
compensar a destruição de outros empregos.
Mas uma coisa é a distância da observação, outra bem diferente é ser
apanhado no desenvolvimento concreto desta equação, em postos de trabalho que são
destruídos.
Aparentemente, o mundo do trabalho poderá recear menos a influência da
tecnologia na destruição do emprego do que o seu contributo para alteração de
certas condições do trabalho afetarão substancialmente mais a qualidade do
mesmo. Expliquemo-nos. Em primeiro lugar, o tempo longo mostra que o saldo
criação-destruição de empregos é favorável à tecnologia, embora quase sempre as
oportunidades de criação não beneficiem os que são penalizados pela destruição.
Mas a tecnologia tem sido responsável por alterações que essas sim degradam
qualitativamente as condições de trabalho. Como, por exemplo, a progressiva
confusão entre os mundos do trabalho e da vida pessoal. Já não me lembro de férias
em que esteja longe do computador ou do Ipad, o que quer dizer confusão entre
os dois mundos. Mas a tecnologia está também por detrás da flexibilidade dos
tempos de trabalho e não estou a falar de opções voluntaristas de opção pelos
tempos parciais. Estou a falar da variação infinitesimal (involuntária e imposta)
da jornada de trabalho, que se traduz regularmente em condições abomináveis de
dependência da flexibilidade. E também está por detrás da desumanização de
tarefas através da sua especialização e mecanização extremas.
Joel Mokyr, Chris Vickers e Nicholas Ziebarth têm no Journal of Economic Perspectives do verão deste ano um artigo muito
interessante sobre o modo como tem variado ao longo do tempo o que os autores
designam de ansiedade tecnológica. Timothy Taylor no sempre confiável Conversable Economist tem uma excelente introdução ao artigo, lendo-o numa
perspetiva que me parece muito sugestiva: da ansiedade tecnológica resultam
diferentes posicionamentos históricos sobre o que entendemos por qualidade do
trabalho e dos empregos. Claro que tudo isto deve ser relativizado em função do
contexto de cada mercado de trabalho. Em Portugal, por agora o fundamental é
ter um emprego, evitar a precariedade e combater a desvalorização salarial.
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