quinta-feira, 20 de agosto de 2015

THE FUTURE OF WORK (II)




(Reflexões avulsas sobre o tema da qualidade do trabalho e do emprego, cuja variabilidade de perceções parece andar ligada à também variável perceção de como a tecnologia pode influenciar o emprego e as condições de trabalho)

Voltando ao tema do futuro do trabalho, não é pura coincidência se a questão de saber se teremos empregos futuros e que qualidade terão esses eventuais postos de trabalho concentra de novo a atenção dos economistas e outras perspetivas sobre o mundo do trabalho num período em que o progresso tecnológico volta a estar na berlinda. Claro que o revisitar da tecnologia é largamente impulsionado pelo baixo crescimento da produtividade que tem vindo a observar-se na generalidade das economias mais avançadas, em regra também fazendo parte da chamada fronteira tecnológica, ou seja, os países em que o conhecimento científico e tecnológico mais rapidamente se transformação em inovação, criando valor. Sabemos que o progresso tecnológico pode ser associado quer a um fluxo contínuo e regular de inovações, quer a processos mais disruptivos em que uma inovação ou um conjunto de inovações maiores revolucionam em certos momentos do tempo os processos produtivos, gerando a partir daí longos e fascinantes processos de disseminação, réplica e ajustamento de inovações. Mas qualquer que seja o modelo de geração de inovações que escolhamos para compreender a evolução tecnológica, o tempo que medeia entre a assunção económica de uma nova tecnologia e a produção de resultados em termos de produtividade é por vezes longo. A disseminação de conhecimento científico e tecnológico nas empresas e nas mediações organizacionais e de formação de competências que isso implica continua a revelar zonas de obscuridade, não sendo por vezes percetíveis as razões que explicam por que razão algumas inovações se repercutem mais rapidamente em crescimentos de produtividade do que outras.

Por isso, nada nos garante que não estejamos a viver um período dessa natureza. A aparente acalmia ou mesmo interrupção do processo de introdução e difusão de inovações, indiretamente medida pelo aparente estancamento da produtividade, pode coexistir hoje com aceleração do conhecimento científico e tecnológico com potencial de geração de valor e isso ser explicado pelo longo período de maturação das mudanças organizacionais que puxarão para cima o ritmo de crescimento da produtividade.

Que a tecnologia tende a gerar a desconfiança do mundo do trabalho em contextos de desemprego elevado isso não é novidade. O que é hoje novidade é essa desconfiança regressar num momento em que o desemprego elevado coexiste com o abrandamento da produtividade. A equação é afinal sempre a mesma, independentemente do contexto histórico: um aumento de produtividade significa, transitória ou duradouramente (muitas vezes só o tempo o dirá), que para a mesma produção necessito de mesmo trabalho. A libertação potencial de emprego potenciada pelo aumento da produtividade só não se traduzirá em destruição de emprego, se os empregos potencialmente libertados encontrarem procura que potencie produção adicional (aumento de produtividade significa também poder produzir mais com os mesmos recursos de trabalho). Ora, o que sabemos é que essa equação de destruição ou compensação de emprego potencialmente destruído não é instantânea. Pode levar tempo, embora saibamos que os que apanham o seu posto de trabalho destruído não se alimentam de tempo. Regra geral, ou seja, historicamente falando, o mesmo progresso técnico que destrói emprego também cria oportunidades de investimento que trazem novos empregos. Mas normalmente há sempre quem perca, embora globalmente a criação de novos empregos possa compensar a destruição de outros empregos.

Mas uma coisa é a distância da observação, outra bem diferente é ser apanhado no desenvolvimento concreto desta equação, em postos de trabalho que são destruídos.
 


Aparentemente, o mundo do trabalho poderá recear menos a influência da tecnologia na destruição do emprego do que o seu contributo para alteração de certas condições do trabalho afetarão substancialmente mais a qualidade do mesmo. Expliquemo-nos. Em primeiro lugar, o tempo longo mostra que o saldo criação-destruição de empregos é favorável à tecnologia, embora quase sempre as oportunidades de criação não beneficiem os que são penalizados pela destruição. Mas a tecnologia tem sido responsável por alterações que essas sim degradam qualitativamente as condições de trabalho. Como, por exemplo, a progressiva confusão entre os mundos do trabalho e da vida pessoal. Já não me lembro de férias em que esteja longe do computador ou do Ipad, o que quer dizer confusão entre os dois mundos. Mas a tecnologia está também por detrás da flexibilidade dos tempos de trabalho e não estou a falar de opções voluntaristas de opção pelos tempos parciais. Estou a falar da variação infinitesimal (involuntária e imposta) da jornada de trabalho, que se traduz regularmente em condições abomináveis de dependência da flexibilidade. E também está por detrás da desumanização de tarefas através da sua especialização e mecanização extremas.

Joel Mokyr, Chris Vickers e Nicholas Ziebarth têm no Journal of Economic Perspectives do verão deste ano um artigo muito interessante sobre o modo como tem variado ao longo do tempo o que os autores designam de ansiedade tecnológica. Timothy Taylor no sempre confiável Conversable Economist tem uma excelente introdução ao artigo, lendo-o numa perspetiva que me parece muito sugestiva: da ansiedade tecnológica resultam diferentes posicionamentos históricos sobre o que entendemos por qualidade do trabalho e dos empregos. Claro que tudo isto deve ser relativizado em função do contexto de cada mercado de trabalho. Em Portugal, por agora o fundamental é ter um emprego, evitar a precariedade e combater a desvalorização salarial.

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