(Nunca como hoje os Bancos Centrais têm de ser
diligentes e competentes nas suas previsões)
As duas últimas semanas têm sido tenebrosas para os bancos centrais. A
interpenetração aguda em que os mercados financeiros estão hoje mergulhados a nível
mundial tem certamente determinado mais alguns cabelos brancos aos
governadores, incluindo os que possam estar a relaxar, refletindo, nos últimos
dias desta semana no recato das montanhas de Wyoming – USA no já célebre simpósio
anual de Jackson Hole (como o tempo passa, ainda há pouco discutíamos o do
passado), sob organização do Federal Reserve Bank de Kansas City.
Em escalas diferentes e ambos com cabelos brancos, Janet Yellen no FED-USA
e Carlos Costa no Banco de Portugal estão na berlinda. Ambos os governadores e
respetivas equipas enfrentam hoje angústias sérias no âmbito das previsões ou
estimativas que suportaram estratégias de decisão que deveriam produzir
resultados no futuro próximo. Em ambas as angústias, a turbulência da economia
chinesa e do seu mercado de capitais contribuiu para o estado de indeterminação
em que estão envolvidos, não necessariamente como fator único do derrube de
estimativas anteriores, mas contribuindo decisivamente para esse facto.
Analisemos em separado os dois casos.
O FED-USA vinha preparando ao longo das suas últimas declarações públicas, que
são rigorosamente escrutinadas pelos analistas, ao ponto destes por vezes
pressentirem divergências entre o texto da declaração e o tom em que ela é lida
à comunicação social, uma trajetória de transição suave para uma subida das
taxas de juro de referência do FED. O comportamento da economia americana em
fase de recuperação e sobretudo a evolução do mercado de trabalho para zonas
mais próximas da taxa de desempego natural suportavam essa estratégia de subida
a prazo das taxas de referência. O assunto era tratado com pinças, pois um
conjunto de fatores advertia o FED para que tal estratégia podia comprometer a
recuperação da economia americana. Entre esses fatores, vale a pena referir os
seguintes:
- Em primeiro lugar, o comportamento descendente da taxa de desemprego a partir de 2009 foi essencialmente explicado pela descida da taxa de participação da força de trabalho (parte da qual deixou de procurar ativamente trabalho) e não pelo comportamento decisivo do emprego;
- Em segundo lugar, a decisão anunciada pelos governadores Alan Greenspan e Bem Bernanke de manter como meta de inflação média os 2%, posteriormente transformados em teto da subida de preços e não como referencial médio, teve sempre economistas (Bradford DeLong e Lawrence Summers à cabeça) a alertar para que essa meta era demasiado baixa para a saúde da economia;
- Em terceiro lugar, as perspetivas deflacionárias levaram a uma formação de expectativas entre os investidores, segundo as quais os mercados passam a incorporar a ideia de que o FED não atingirá essa meta de inflação na próxima década;
- Em quarto e último lugar, a crise de 2007-2008 e talvez mais a recuperação agónica que se lhe seguiu “talvez desta vez seja diferente” e estejamos perante uma mudança de contexto estrutural em que a política monetária é exercida, como aliás as reflexões em torno do conceito de “estagnação secular” e a hipótese de estarmos na transição sempre complexa para um novo ciclo longo de evolução das economias de mercado mais maduras têm alertado que pode estar de facto a acontecer.
Gavyn Davies um analista bastante subtil veio ontem no Financial Times
chamar a atenção para as dificuldades de coordenação que o governo chinês irá
experimentar em estabilizar de novo a economia chinesa. Segundo ele, o que se
exige às autoridades chinesas em matéria de política monetária facilitadora e
injetora de liquidez, de política cambial fixando uma relação entre a moeda
chinesa e o dólar que se aguente por si no mercado, de relaxamento da política
fiscal para compensar a perda de ânimo do investimento locomotiva tradicional
do crescimento chinês e desendividamento dos poderes locais e do sistema bancário
por transferência de dívida para o banco central e governo central pode ser
coisa grossa para o pragmatismo chinês. Assim sendo, o FED não contaria talvez
que os investidores mudassem tão rapidamente de agulha focando-se nas
expectativas centradas na economia americana. No meio disto tudo, o fortíssimo
trambolhão dos preços das commodities
no mercado mundial, que isoladamente poderia talvez ser visto como uma correção
de excessos de oferta, arrisca-se a ser percecionado de modo mais profundo e
implicitamente revelador de um abrandamento estrutural de procura.
Assim sendo, o FED esperaria que a trajetória de expectativas gradualmente
conducentes a uma incorporação de que as taxas de referência iriam subir se
desenrolasse sem perturbações. Pois! Mas neste momento os mercados parecem mais
incorporar os alertas de Lawrence Summers de que estamos perante um futuro
diferente. Podem por isso estimar que o FED nunca mais irá atingir a sua ideia
de teto de inflação a 2%. E deste modo se vê como é que curtas crónicas de alguém
como Summers podem ter um impacto devastador na formação de expectativas. Até
assusta o poder sobre os mercados que pode ler a prosa sóbria e pesada de
Summers. Se é verdade que Summers esperaria assumir o lugar que Yellen agora
ocupa não podemos deixar de registar que há aqui algo de picante nesta matéria.
Os mercados a incorporarem os alertas de Summers e a não jogarem na forward guidance que o FED quis imprimir
às expectativas. Fascinante.
À nossa escala e talvez mais por oportunismo negocial dos chineses da
Angbang do que propriamente por efeito direto do trambolhão da bolsa chinesa e
da perda de valor associada, Carlos Costa tem a sua estratégia de resolução do
BES e venda do Novo Banco ameaçada pela turbulência da economia chinesa. Rezam
as más-línguas da imprensa económica que os chineses estarão a fazer-se caros e
a não chegar-se à frente na fixação de um valor de compra para o NB que não
atropele a argumentação do Banco de Portugal para a defesa da solução resolução.
Continuo a achar que à época a decisão foi a mais acertada e não tenho dúvidas
de que os três dias em torno dessa decisão terão sido os mais alucinantes da
vida de Carlos Costa. Mas sempre questionei a rapidez com que Maria Luís veio a
terreiro sossegar os contribuintes portugueses de que a solução iria impedir
que um desastre mais se abatesse sobre o ónus fiscal dos portugueses. Veremos
se a banca encaixa o desvio entre venda e contributo para o Fundo de Resolução.
Na altura recomendar-se-ia uma apresentação mais rigorosa dos riscos para o
contribuinte da resolução. Até porque a superioridade da solução de resolução
se impõe às alternativas mesmo que o desvio seja mais elevado do que o
esperado.Também aqui houve previsões, na altura o mais fundamentadas possível.
Mas há sempre a questão do poder negocial. E nestas coisas de venda para salvar
a face de uma solução não é preciso ser adivinho para imaginar de que lado está
o poder negocial. Não estará por certo do lado do Banco de Portugal por mais
que Carlos Costa o desejasse
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