(Às vezes é
preciso falar grosso para despertar a ilusão coletiva)
O lamentável estado da arte a que se chegou em termos de princípios de gestão
macroeconómica com o paradigma da austeridade fiscal e de fechamento do debate
para alternativas serem discutidas está a asfixiar a capacidade democrática dos
países discutirem abertamente o seu futuro.
É grotesca a chantagem sobre a opinião pública que no Reino Unido tem sido
feita em torno da possível vitória de Jeremy Corbin nas eleições internas do
Partido Trabalhista, numa espécie de campanha do tipo “este homem é dos que
comem criancinhas ao pequeno-almoço”. Em coerência com o seu programa ideológico,
o Observador reuniu algumas destas peças apocalípticas sobre a eventual chegada
de Corbyn à liderança trabalhista. Mas talvez a mais patética tenha sido a de
Tony Blair, dando o peito às balas e procurando convencer a populaça
trabalhista de que o odeiem o que for necessário mas que não contribuam para a
futura aniquilação do Labour. Uma personalidade que aproveita descaradamente a
sua antiga função de contribuidor para a paz no Médio Oriente (mas que
escolha!) para promover os seus negócios privados julga-se com moral para impor
este outro juízo moral aos eleitores trabalhistas. Toda esta chantagem sobre a
opinião pública trabalhista, na senda ou pior do que os europeus fizeram sobre
a Grécia na antecâmara do referendo, mostra o estado de afunilamento a que a
democracia política está a ser conduzida por via da gestão macroeconómica de sentido
único e via estreita.
Perante este lamentável estado das coisas, largamente facilitado pela posição
de cócaras em que os partidos socialistas e social-democratas europeus se
colocaram, só vozes grossas, fortemente respeitadas e livres de sujeições a quaisquer
interesses económicos, incluindo o de interesse próprio, podem ajudar a quebrar
esta asfixia.
Lord Robert Skidelsky, biógrafo prestigiado de Keynes, vem no ProjectSyndicate quebrar a onda de chantagem sobre a opinião pública trabalhista, não propriamente
colocando-se como apoiante incondicional de Corbyn, mas recuperando duas das
propostas de política macroeconómica que o candidato a líder trabalhista trouxe
para o debate eleitoral interno do Labour.
A primeira das propostas de Corbyn que Skidelsky reabilita são a criação de
um Banco Nacional de Investimento para assegurar um canal de investimento público,
mobilizando poupança mais ou menos oculta emitindo títulos para o
desenvolvimento de infraestruturas. Skidelsky tem razão em assinalar que a
criação de um banco de investimento não é propriamente típico de um esquerdista
revolucionário.
A segunda proposta, mais heterodoxa, Corbyn designa-a de “quantitative
easing” para as pessoas. A ideia consiste em não utilizar a
intermediação bancária para tentar que o QE chegue à economia real, mas
distribuir os recursos diretamente a associações, agências e outras entidades
que a nível local e regional podem assegurar investimentos em infraestruturas
em zonas de carência local e regional. Trata-se assim de uma via de
financiamento monetário de défices públicos não a partir do mercado de títulos
mas a partir do banco central.
Tudo isto não pode deixar de ser equacionado no contexto em que o Reino Unido
se pode financiar praticamente a juro zero, transformando radicalmente a relação
intertemporal entre endividar-se hoje para investir hoje, gerar retorno
suficiente para reembolsar a dívida amanhã.
O direito à consideração de possíveis alternativas é uma das razões
supremas da democracia. Qualquer tentativa de chantagem de ideias sobre o pronunciamento
popular deve ser repudiada e é bom que vozes como a de Skidelski venham dar uma
mão ao combate que é necessário travar neste campo, qualquer que seja o
resultado das eleições internas no Labour.
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