terça-feira, 25 de agosto de 2015

NATHAN IS DEAD!




(Os grandes desaparecem fisicamente, mas as suas ideias persistem)

Paul Romer num dos seus artigos mais difundidos sobre a relevância da economia das ideias argumentava que se confrontássemos a humanidade com dois cataclismos possíveis, o da destruição do capital físico com permanência das ideias e o do aniquilamento absoluto destas últimas, numa espécie de esvaziamento da memória coletiva e dos seus registos, o primeiro seria socialmente penoso mas com o tempo seria superado, o segundo corresponderia ao mundo das trevas.

Hoje de manhã, numa digressão em pleno Alfa Pendular a caminho de Lisboa, vogando pela blogosfera económica que me é mais próxima, dei conta através de uma crónica de Joshua Gans no Digitopoly do desaparecimento de Nathan Rosenberg, economista e historiador da tecnologia a quem devo leituras preciosas no domínio da economia da inovação. Um grande que desaparece, mas cujo pensamento continuará a marcar seguramente a formação de muitos economistas na área da inovação.

O conhecimento da tecnologia tem algo de paradoxal que sempre me impressionou vivamente. Os engenheiros e os tecnólogos, embora dominando os meandros da tecnologia, quase sempre não são capazes, salvo raras exceções, de manter em relação à mesma a distância necessária para a pensar societariamente e assim compreender os fatores que explicam o seu aparecimento, disseminação ou dificuldades de afirmação em certos casos em que à superioridade intrínseca de uma dada tecnologia não corresponde depois o vencimento em mercado. Por sua vez, os economistas têm dominantemente uma lamentável iliteracia tecnológica, agravada em Portugal pela reduzidíssima articulação e cooperação entre escolas de engenharia e de economia, mesmo quando estão de paredes meias, como é o caso das Faculdades de Economia e de Engenharia do Porto.

Este vazio sem sentido é colmatado por alguns cientistas de exceção e Nathan Rosenberg era um deles. Vou aqui destacar dois aspetos que constituem contributos seminais de Rosenberg, os quais tiveram um peso considerável na minha formação e na relevância que dava a estes temas nas aulas de crescimento económico.

Rosenberg foi dos primeiros historiadores e economistas da tecnologia a ir fundo na demonstração de que a tecnologia não constituía o fenómeno exógeno ao económico, uma espécie de “dádiva do céu” que era oferecida a custo zero aos processos produtivos. A perspetiva originária de Rosenberg era a de que dentro dessa “caixa negra”, misteriosa e inexplicável, da tecnologia havia muito que explicar e que a teoria económica tinha muito para dar nesse propósito. E o ponto de partida era o da observação consistente. Como é que era possível os economistas contentarem-se com essa visão exógena da tecnologia quando as evidências mostravam que as empresas realizavam verdadeiros balúrdios de investimento portas dentro em laboratórios e em processos de investigação tecnológica? Através da análise meticulosa dos processos de desenvolvimento tecnológico em certas indústrias, sobretudo nos EUA, Rosenberg foi desmontando a ideia da exogeneidade da tecnologia e constituindo os alicerces empíricos e teóricos de uma economia da inovação e, ao mesmo tempo, da história económica das revoluções tecnológicas, da sua emergência e disseminação.

Paralelamente, fruto dos seus trabalhos de história económica da tecnologia, Rosenberg foi desmontando também o mito da pretensa linearidade do conhecimento, da ciência à tecnologia, da investigação à sua translação (como agora se diz) em valor económico de novos produtos, novos equipamentos e novos processos de fabrico. O tema da endogeneidade da tecnologia foi emergindo cada vez com mais consistência e mostrando que em certos a inovação não começa nos laboratórios de ciência, mas nos processos produtivos empresariais, bem como em grandes investimentos públicos que despertam a montante os estímulos e as encomendas necessárias para que certas investigações científicas ganhem massa crítica em matéria de resultados.

Ao mesmo tempo que Rosenberg desvendava a endogeneidade da tecnologia, foi consolidando os contributos para a formação de um conceito que hoje domina claramente as opções de política pública de inovação, o conceito de sistemas de inovação e que outros trabalharam.

Aos 87 anos, Nathan Rosenberg deixa aos economistas que sempre se preocuparam com o vazio entre engenharia e economia na explicação da tecnologia e da inovação um legado incontornável, pistas para que novas histórias económicas da evolução tecnológica sejam construídas. Resta-me a consolação de o ter divulgado, disseminado as suas ideias e feito com que alguns estudantes de economia, às vezes a contragosto do apelo às leituras fáceis e digeridas, terem gasto algumas pestanas com o rigor das suas interpretações. Pura retribuição.

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