(Os grandes desaparecem fisicamente, mas as suas ideias
persistem)
Paul Romer num dos seus artigos mais difundidos sobre a relevância da
economia das ideias argumentava que se confrontássemos a humanidade com dois
cataclismos possíveis, o da destruição do capital físico com permanência das
ideias e o do aniquilamento absoluto destas últimas, numa espécie de
esvaziamento da memória coletiva e dos seus registos, o primeiro seria
socialmente penoso mas com o tempo seria superado, o segundo corresponderia ao
mundo das trevas.
Hoje de manhã, numa digressão em pleno Alfa Pendular a caminho de Lisboa,
vogando pela blogosfera económica que me é mais próxima, dei conta através de
uma crónica de Joshua Gans no Digitopoly do desaparecimento de Nathan
Rosenberg, economista e historiador da tecnologia a quem devo leituras
preciosas no domínio da economia da inovação. Um grande que desaparece, mas
cujo pensamento continuará a marcar seguramente a formação de muitos
economistas na área da inovação.
O conhecimento da tecnologia tem algo de paradoxal que sempre me
impressionou vivamente. Os engenheiros e os tecnólogos, embora dominando os
meandros da tecnologia, quase sempre não são capazes, salvo raras exceções, de
manter em relação à mesma a distância necessária para a pensar societariamente
e assim compreender os fatores que explicam o seu aparecimento, disseminação ou
dificuldades de afirmação em certos casos em que à superioridade intrínseca de
uma dada tecnologia não corresponde depois o vencimento em mercado. Por sua
vez, os economistas têm dominantemente uma lamentável iliteracia tecnológica, agravada
em Portugal pela reduzidíssima articulação e cooperação entre escolas de
engenharia e de economia, mesmo quando estão de paredes meias, como é o caso
das Faculdades de Economia e de Engenharia do Porto.
Este vazio sem sentido é colmatado por alguns cientistas de exceção e
Nathan Rosenberg era um deles. Vou aqui destacar dois aspetos que constituem
contributos seminais de Rosenberg, os quais tiveram um peso considerável na
minha formação e na relevância que dava a estes temas nas aulas de crescimento
económico.
Rosenberg foi dos primeiros historiadores e economistas da tecnologia a ir
fundo na demonstração de que a tecnologia não constituía o fenómeno exógeno ao
económico, uma espécie de “dádiva do céu” que era oferecida a custo zero aos
processos produtivos. A perspetiva originária de Rosenberg era a de que dentro
dessa “caixa negra”, misteriosa e inexplicável, da tecnologia havia muito que
explicar e que a teoria económica tinha muito para dar nesse propósito. E o
ponto de partida era o da observação consistente. Como é que era possível os
economistas contentarem-se com essa visão exógena da tecnologia quando as
evidências mostravam que as empresas realizavam verdadeiros balúrdios de
investimento portas dentro em laboratórios e em processos de investigação
tecnológica? Através da análise meticulosa dos processos de desenvolvimento
tecnológico em certas indústrias, sobretudo nos EUA, Rosenberg foi desmontando
a ideia da exogeneidade da tecnologia e constituindo os alicerces empíricos e
teóricos de uma economia da inovação e, ao mesmo tempo, da história económica das
revoluções tecnológicas, da sua emergência e disseminação.
Paralelamente, fruto dos seus trabalhos de história económica da
tecnologia, Rosenberg foi desmontando também o mito da pretensa linearidade do
conhecimento, da ciência à tecnologia, da investigação à sua translação (como
agora se diz) em valor económico de novos produtos, novos equipamentos e novos
processos de fabrico. O tema da endogeneidade da tecnologia foi emergindo cada
vez com mais consistência e mostrando que em certos a inovação não começa nos
laboratórios de ciência, mas nos processos produtivos empresariais, bem como em
grandes investimentos públicos que despertam a montante os estímulos e as
encomendas necessárias para que certas investigações científicas ganhem massa
crítica em matéria de resultados.
Ao mesmo tempo que Rosenberg desvendava a endogeneidade da tecnologia, foi
consolidando os contributos para a formação de um conceito que hoje domina
claramente as opções de política pública de inovação, o conceito de sistemas de
inovação e que outros trabalharam.
Aos 87 anos, Nathan Rosenberg deixa aos economistas que sempre se
preocuparam com o vazio entre engenharia e economia na explicação da tecnologia
e da inovação um legado incontornável, pistas para que novas histórias
económicas da evolução tecnológica sejam construídas. Resta-me a consolação de o
ter divulgado, disseminado as suas ideias e feito com que alguns estudantes de
economia, às vezes a contragosto do apelo às leituras fáceis e digeridas, terem
gasto algumas pestanas com o rigor das suas interpretações. Pura retribuição.
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