quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

A DIFÍCIL MATÉRIA DA INQUIRIÇÃO

 

                  (Com a devida vénia ao Agrupamento de Escolas de Amadora Oeste)

(As ciências sociais em geral enfrentam por natureza um desafio permanente de geração de fontes primárias de informação, através de uma multiplicidade de processos, tais como entrevistas, surveys ou questionários, painéis de discussão ou focus group, experiências com grupos de pessoas ou observação de situações concretas em análise. Ou seja, o ambiente laboratorial das ciências sociais, por mais sofisticação metodológica que possamos mobilizar, não corresponde de modo algum ao ambiente laboratorial das ciências básicas e isso revela para alguns uma inferioridade congénita. E mais importante do que tudo esse trabalho exige um longo e rigoroso processo de contextualização da informação que estamos a recolher, pois os testemunhos vividos inserem-se em contextos familiares, económicos, sociais e políticos que não podemos ignorar. A história que vos trago hoje e que me surgiu na sequência de uma digressão exploratória pelo Twitter é uma delícia de contexto …)

A origem desta minha reflexão prende-se com o facto de em termos profissionais estar numa fase de abundante necessidade de produção de informação primária para trabalhos de avaliação. O tweet de Michael Clemens (@m_clem) sobre um texto já antigo de Chris Blattman (link aqui) constitui a inspiração direta do que é uma verdadeira delícia de contexto.

Trata-se de um questionário simples realizado numa fábrica de salsichas, algures numa economia menos desenvolvida e a questão em causa é aparentemente das mais simples:

“Quantos filhos tem?

Resposta: Cinco

Pergunta: Todos os filhos vivem consigo?

Resposta: Bem, tenho dois outros filhos que vivem com o meu irmão.

Pergunta: Compreendo, então tem sete filhos biológicos?

Resposta: Não, três dos meus filhos eram da minha irmã que morreu o ano passado.

Pergunta: Então tem quatro filhos biológicos, mais três que adotou?

Resposta: Bem, um deles vive por vezes com o pai. Também cuido dos filhos do meu primo, mas ele está fora na escola.”

O exemplo é curioso pois a questão é das mais simples e, como se depreende do do diálogo entre entrevistador e entrevistado, a relevância do contexto sobrepõe-se à pretensa objetividade da resposta X número de filhos.

Este é o mundo em que as ciências sociais se movimentam. Como aprendi a confirmar acompanhando o trabalho do meu Amigo Professor José Madureira Pinto, mesmo neste contexto o rigor científico é possível e praticável. Mas não raras vezes, quando confronto esse modelo de rigor pessoal com o que anda por aí em termos de interpretação de dados e estudos, concluo que a ausência de humildade não enobrece quem trabalha nestes campos e se projeta no espaço público da comunicação.

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