domingo, 9 de janeiro de 2022

RUI TAVARES

 

                                                                        (Jornal de Notícias)

(Por razões que já expus em post anterior, tenho passado ao lado da grande maioria dos debates eleitorais a dois que se têm sucedido vertiginosamente nos ecrãs televisivos. Isso não me impede de seguir o que a comunicação social vai libertando sobre os confrontos e seus entornos. E no meio de toda esta cacofonia a figura e o pensamento de Rui Tavares emergem como um exemplo de preparação e racionalismo políticos barbaramente desperdiçados por este turbilhão de sound bites em que a política está a transformar-se com a conivência de grande parte do eleitorado, com excesso de preguiça mental para lidar com pensamento racional.)

Não é novidade que tenho muito apreço pela intervenção política e cívica do Rui Tavares a quem reconheço uma capacidade notável de perseverança na defesa de ideias que estão longe de suscitar a atenção dominante do eleitorado. Aliás, é ao Rui Tavares que devo o convite para ter participado numa sessão dos Verdes Europeus em Lisboa, no antigo Mercado da Ribeira, em companhia de James Galbraith, filho do lendário John Kenneth Galbraith e Anabela Mota Ribeiro, em que tive oportunidade de responder a um comentário do não menos lendário Daniel Cohn-Bendit, que fica para sempre nas minhas memórias. Já votei no Livre em eleições europeias, com voto perdido em termos de eleição efetiva e lamento sinceramente que o Livre esteja muito, muito longe de poder representar algo mais do que a qualidade deste seu representante.

Na política ativa, não conheço ninguém que faça tão competentemente a ponte entre as questões europeias e os problemas nacionais, ainda que aqui e ali sejam visíveis resquícios e manifestações de ingenuidade política que custam caro em termos de projeção de votos conseguidos, como por exemplo é a sua insistência atual na defesa da experimentação do rendimento básico para todos. E o que me parece mais importante é que Rui Tavares foi um dos únicos a compreender que faz falta em Portugal uma formação política que ganhe expressão em torno das questões da “green economy”, o que a filiação europeia do Livre de certo modo facilita.

Pelo que tenho percebido dos ecos na comunicação social dos confrontos televisivos a dois, o risco do pensamento mais racional de Rui Tavares sucumbir no estilo televisivo do efémero não tem acontecido e a grande generalidade dos comentadores, alguns deles nos antípodas do pensamento de Rui Tavares, reafirma a surpreendente surpresa do desempenho do historiador e cronista.

Mas desta surpresa que para mim não o é, fica uma estranha sensação de frustração pelo facto de se tratar de um desperdício enorme político e eleitoral, ou seja, a evidência de que o sistema político português à esquerda desperdiça um recurso raro entre quem faz e assume a política ativa com a perseverança e qualidade com que Rui Tavares a pratica.

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