quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

UMA VERDE E INTERESSEIRA TRAPALHADA TAXONÓMICA

(Klaus Stuttman, http://www.tagesspiegel.de) 

O final de 2021, mais precisamente o seu último dia, foi bastante mexido em Bruxelas, com a Comissão Europeia a preparar, em muito secretista sede de reunião de Chefes de Gabinete (uma espécie de reunião especialmente qualificada de Secretários de Estado), a decisão definitiva sobre a melindrosa questão da taxonomia de finanças sustentáveis. O que está em jogo são, obviamente, interesses nacionais e empresariais mais ou menos declarados ou velados (a discussão já dura há meses e as posições internas têm-se mostrado dificilmente conciliáveis ou até extremadas, menos em função de princípios do que de situações adquiridas ou de intenções conhecidas), nomeadamente a decisão de incluir ou não a energia nuclear e o gás natural dentro da classificação validadora de “verde” (sendo que opção pelo alargamento do nuclear na Europa tem muito mais que se lhe diga em termos de perigosidade ambiental e de sustentabilidade do que a estrita consideração das emissões de que não portadora; daí a referência do cartunista à “próxima lavagem verde”).

 

Tudo indica que a enorme pressão francesa terá vencimento (apesar da oposição alemã, que terminará por ser transformada numa conveniente abstenção, e de outras mais ou menos duras como a austríaca), tanto mais quanto a Comissão tomará a decisão por ato delegado do Conselho e esta só poderia ser revertida através de uma difícil maioria qualificada deste (os países expressamente favoráveis ao sim são, pelo menos, dez ― além dos franceses, são também particularmente aguerridos na matéria “cristãos novos” como os finlandeses e os holandeses ― e possuem condições populacionais conjuntas para formarem uma maioria de bloqueio relativamente a qualquer tentativa de alteração). Escusado será dizer que o presumido vice-presidente da Comissão Frans Timmermans, autoproclamado dono de um Green Deal, não tardará a vir dar nota da inequívoca justeza deste caminho europeu, enquanto a presidente Ursula von der Leyen gerirá politicamente com os seus silêncios e sorrisos de estadista bruxelense uma posição indefensável e que em nada deve orgulhar a União.

 

Lateralmente, refira-se de passagem que já não falta também quem comece a associar esta decisão comunitária a um mais que previsível impacto nos termos daquela que será a próxima discussão em torno da reforma do Pacto de Estabilidade. Uma evidente ilustração está na defesa por alguns de uma “regra de ouro verde” (é exemplo não fortuito o facto de Macron e Draghi já terem manifestado o seu apoio à ideia), a traduzir numa isenção do investimento verde (e lá vem a taxonomia!) das regras que irão reger dívidas e défices. Contas de outro rosário, embora non troppo...

(Corinne Rey, “Coco”, https://www.liberation.fr)

Voltando à taxonomia. São momentos como estes que nos permitem perceber lapidarmente, e sem precisarmos de desenhos alegóricos, que a União Europeia é isto e ponto final; e, já agora, que quem não gostar só pode limitar-se a pôr a coisa na beira do seu próprio prato, visto que o essencial não vai mudar: uma entidade dominada em última instância por egoísmos nacionalistas ― vejam o que sucedeu com o demagógico questionamento do hastear da bandeira europeia no Arco do Triunfo para marcar o início da presidência gaulesa (“ultraje”, “ato profanador”, “apagamento da identidade francesa”, disseram tantos, a ponto de conseguirem lograr uma imediata cedência por parte de um amedrontado Macron) ―, sem prejuízo de ser também uma entidade capaz de manter a essência de um trajeto comum que, assente numa nuvem difusa de compromissos, vai avançando aos solavancos e produzindo a diferença possível nos dias de hoje sem nunca beliscar a relação de forças e os maiores interesses nacionais em presença.


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