segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

UM LIVRO ALICIANTE

 

Estive há dias, com o gosto pessoal que decorre da proximidade que tenho em relação a Fernando Teixeira dos Santos (FTS) há perto de cinquenta anos, no lançamento do seu livro “Mudam-se os Tempos, Mantêm-se os Desafios” que ocorreu na nossa comum casa, a FEP ― um anfiteatro renovado e mais bonito repleto de bastantes amigos, ex-alunos e alguns curiosos de outros tipos e uma apresentação em que pontuaram o seu adjunto governativo Álvaro Aguiar, o seu confessado mentor Daniel Bessa e o próprio, os três aliás senhores de discursos bem esgalhados (o que não quer necessariamente dizer adequados ou justos na forma e/ou no conteúdo de todos os tópicos tratados).

 

Mesmo sabendo que as normas por cá consagradas são as do cinismo de calar o que se pensa ou da ausência de frontalidade para contrapor ideias e perspetivas, opto por aqui deixar sem preconceitos uma primeira reação ao que pude ler do livro e das entrevistas e dos comentários feitos a seu respeito. Começo, desde logo, pela escolha da data do lançamento da obra em plena campanha eleitoral, ademais assumindo algumas deixas indiciadoras da preferência por um dos lados (inclusivamente a de uma referência, que não surgirá por acaso, à análise crítica de António Costa aquando do anúncio do chamado PEC IV por FTS: “a comunicação do ministro das Finanças da passada sexta-feira ficará certamente para a história como a mais desastrada e desastrosa que alguma vez foi feita em Portugal, se não mesmo no hemisfério norte, de todos os pontos de vista”) e aceitando implicitamente os questionáveis termos básicos do elogio que lhe é dirigido pelo prefaciador: “Tem a coragem de reconhecer que, depois dos anos da troika e da ortodoxia financeira disfarçada que se lhe seguiu, o País está melhor, como talvez nunca tenha estado, nos últimos setenta anos”.

 

Devo acrescentar, em seguida, que o livro possui em geral uma indiscutível qualidade, contendo mesmo algumas partes extremamente úteis (e pedagógicas) para a análise da evolução da economia portuguesa nas últimas sete décadas e para a melhor compreensão e o aprofundamento de temas essenciais associados à União Económica e Monetária, à crise da dívida soberana, à governação económica do Euro ou a diversas questões de Finanças Públicas (designadamente em sede orçamental), bem assim como aos bastidores de um período assaz complexo da sociedade portuguesa como foi aquele em que FTS esteve ao comando das finanças nacionais.

 

Dito isto, deixo quatro notas de pendor algo menos positivo que acabei por reter e que sintetizo nas seguintes evidências (que obviamente aqui não explanarei em detalhe mas estarei disponível para elucidar e debater): (i) a das limitações da macroeconomia para analisar os fundamentos do nosso atraso (tocando em pontos essenciais mas ficando pela rama no seu tratamento substantivo ― quer no tocante ao jogo quase exclusivista da relação entre o investimento e a poupança, quer no tocante à defesa de que a produtividade é “o desafio mais importante que enfrentamos” quando, afinal, talvez ela não seja muito mais do que um quociente a exigir outras incursões disciplinares), (ii) a de uma certa ortodoxia teórica reabilitada em várias dimensões de análise (ainda que sob a alegada ostentação de “uma visão sobre o papel do Estado que, não sendo liberal, contrasta com a ideologia estatizante de alguns setores políticos nacionais”); (iii) a de uma leitura nem sempre esclarecida quanto à essência da construção europeia e às inevitáveis inconsequências de fundo (“desilusões”) que nela periodicamente emergem; (iv) a de algumas potenciais contradições entre o pensamento do professor e a ação do político (que se procura naturalmente fazer surgir imaculadamente justificada até às últimas consequências) ou em termos de doseamento da argumentação factual, analítica e política que é desenvolvida.

 

Tudo somado, também eu quero felicitar o Fernando e louvar a sua coragem de vir a público dar a cara dez anos depois, defendendo as ideias e práticas que sustenta num esforço em que pretendeu focar-se no progresso e no futuro de Portugal, embora nem sempre os antevendo como airosos para as novas gerações que simbolicamente referencia com centro nos seus três netos.

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