O debate Costa-Rio, anunciado e jornalisticamente tratado com excessiva pompa e circunstância para o meu gosto, foi bastante pior do que deveria ser um confronto sério entre dois candidatos a primeiro-ministro de um país europeu e civilizado (digamos assim e sem explorar aqui a imensa incipiência ou parcialidade da larga maioria dos comentadores televisivos). Eu ― que nem sou analista político nem consigo deixar de falhar frequentemente as minhas previsões ― tive uma intuição final quando observei, atónito, o modo como Costa quis terminar deixando uma imagem/mensagem final em que exibia o Orçamento para 2022 como o seu trunfo dos trunfos nesta campanha (foto e cartune alusivo acima): a intuição de que Costa perdeu pontos neste debate e na forma como nele se apresentou (e aquela opção final foi disso uma ilustração) junta com a intuição de uma convicção por parte de Costa de que vai ganhar largo e poderá até atingir a maioria absoluta (esta alimentada por uma sondagem do dia que lhe dava mais de 39% e a possibilidade de lá chegar com um pouco mais de insistência na tendência ou em parceria com novos parceiros de uma “ecogeringonça”, o PAN e o Livre).
Uma meia-dúzia de notas soltas, necessariamente marcadas pela subjetividade e apenas meramente impressionistas: (i) Costa escolheu apresentar-se como o homem da continuidade, uma continuidade que é um oásis na sua estrita leitura mas uma continuidade feita de cansaço, preguiça e ausência de qualquer golpe de asa que pudesse dar aos seus potenciais eleitores algum sinal de vida para além do rame-rame já bastante desgastado destes seis anos; (ii) Costa deixou-se cair nas armadilhas temáticas dos entrevistadores e de Rio, nunca explorando oportunidades para trazer algo de mais novo e fresco (como questões associadas à educação ou à inovação, por exemplo, onde teria algo de diferenciado a dizer) ou mesmo para denunciar a aparente transparência de Rio quanto ao pós-30 de janeiro (tendo aqui a possibilidade relevante de trazer a ameaça do Chega à colação); (iii) Costa decidiu, quase por ortodoxa teimosia, que não diria quase nada quanto ao pós-30 de janeiro, sendo que o tempo e as pressões o vão levando a cair na esparrela de falar de uma governação à Guterres (que durou seis anos, embora noutras circunstâncias, mas acabou em pântano para efeitos de conversa apressada) ou até do PAN como partido a recuperar para o seu lado; (iv) Costa foi amador e pouco rigoroso na apresentação de alguns números (caso dos do crescimento dos últimos 20 anos ou dos da carga fiscal, para só citar alguns) e na ausência de respostas de fácil rebatimento em relação ao discurso de Rio (caso dos médicos de família ou de vários tópicos da área da Justiça); (v) Costa evidenciou quanto já se deixou contaminar pelo hábito de fazer afirmações sem ser contraditado (o fechamento do poder no seu esplendor!) e foi preferindo recorrer a sem-vergonhices ou truques argumentativos absolutamente escusados; (vi) Costa permitiu que Rio terminasse o debate com alguma fulgurância (bramindo irritadamente a questão da TAP, onde tem posições justas mas adotou preferencialmente uma demagogia que seria prontamente contornada pelo Costa de outros tempos) e veio a precisar de fazer depois do debate várias reafirmações, e até várias inovações discursivas, como a de um recurso à figura presidencial em apoio à estabilidade de uma solução governativa como a que pretende concretizar. Quase me chego a perguntar se Costa quer mesmo ficar ou antes pretende encontrar uma saída digna para outros desafios.
Dito tudo isto, importa ainda dizer que Rio também não esteve bem, apenas não tendo surpreendido pelo que já se lhe conhece. Visivelmente tenso, atirando muitas bolas ao lado e, sobretudo, senhor de uma proposta económica altamente frágil (quem paga IRC em Portugal, entre as empresas que não apresentam resultados líquidos positivos e as que declaram na Holanda ou noutras paragens, e quanto arrecadamos de facto? Serve isto para gerar a mudança que sugere, adiando entretanto o reescalonamento do IRS?) e de algumas considerações analíticas erradas (como as de um relançamento pela via da produção ao invés de uma alegada via consumista por parte do PS). Em síntese, uma mão cheia de quase nada.
Ficou assim claro que a próxima quinzena vai ser determinante para o apuramento final das contas. Pela minha parte, acho que estas duas personalidades já não cumprem os mínimos olímpicos para aquilo que se propõem. Mas a realidade é o que é e os portugueses vão ter de escolher entre elas ― desejo-lhes a máxima inspiração para tal, a bem do nosso coletivo nacional.
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