(Não era para ser assim, não deveria ser assim, começar o ano cedendo à preocupação do Omicron. Mas, de certo modo, a manhã do 1º de janeiro teve o selo da Dinamarca. Uma crónica deliciosa do historiador António Araújo no Diário de Notícias, que só por si justifica a compra do jornal, centrada no historicamente muito precoce primeiro atlas botânico na Dinamarca, cerca de 200 anos antes do nosso em Portugal, e a inscrição dos seus exemplares no célebre serviço de cerâmica Flora Danica da Royal Copenhagen poderia ser o mote deste início do ano, link aqui. Mas um Tweet de um investigador dinamarquês, Frederik Plesner Lyngse, link aqui, sobre investigação recente de dezembro de 2021, sobre a transmissibilidade do Omicron levou a palma e explica a cedência. Independentemente da investigação exigir agora réplica suficiente e fundamentada, como os próprios autores o referem, sinto que temos aqui, um pouco à maneira do que sucedeu com os aerossóis para justificar a utilização massiva das máscaras, uma linha de investigação sólida e um caminho óbvio para o controlo desta fase da pandemia. Recomendaria ao senhor Presidente Marcelo que ficasse calmo e não se apressasse a decretar o início da endemia. Embora não o pareça o homem está cada vez mais nervoso…)
O estudo designa-se de “SARS-CoV-2 Omicron VOC Transmission in Danish Households” e é o resultado de uma investigação coletiva de um vasto conjunto de investigadores (artigo assinado por 19 investigadores (as)), tendo sido publicado em 22 de dezembro de 2021 (link aqui). Como o título indica, a investigação versa sobre o impacto da infeção e transmissibilidade nas famílias dinamarquesas (11.937 famílias inseridas na amostra, das quais 2.225 infetadas com a variante Omicron, refletindo o predomínio praticamente até novembro da variante Delta). Para um período de acompanhamento de 1 a sete dias, o estudo registou nesse universo 6.397 infeções secundárias e é com esta base empírica que a investigação é desenvolvida.
Alguns conceitos complementares são necessários para compreender a investigação:
- Entende-se por caso primário o registo do primeiro elemento da família com caso positivo segundo um teste RT-PCR no período a que respeita a investigação. Em contrapartida, por caso secundário, o registado com testes positivos RT-PCR ou antigénico, sendo a partir dos testes positivos PCR que se determina a variante do SARS COV-2.;
- Os estatutos de vacinação considerados são (i) não vacinados; (ii) completamente vacinados; (iii) com reforço de vacinação;
- A taxa de infeção secundária nas famílias é definida pela percentagem de novos casos de infeção registados 1 a 7 dias depois de ser ter verificado o teste positivo de um caso primário.
As questões de investigação
O estudo contempla três questões muito simples:
- A taxa de infeção secundária é mais alta para a variante Omicron do que para a variante Delta?
- Tem a variante Omicron uma maior taxa de evasão face à proteção imunitária do que a variante Delta?
- O reforço de vacinação é eficaz na redução da transmissibilidade?
As principais conclusões
O estudo traz importantes elementos de reflexão para o desenho da gestão pandémica em 2022. Eis algumas das conclusões:
- Entre os indivíduos vacinados, a variante Omicron é 2.7 a 3.7 vezes mais infeciosa do que a variante Delta, o que está em linha com resultados de estudo no Reino Unido que apontavam para que 19% dos casos Omicron se traduziram em pelo menos mais um caso de infeção na família, quando essa percentagem era apenas de 8.3% na variante Delta;
- A probabilidade de vacinados e vacinados com reforço serem infetados é fortemente mais baixa do que a dos não vacinados;
- A transmissibilidade dos vacinados com reforço é baixa, ao passo que a dos não vacinados é muito mais alta do que a dos vacinados;
- A conclusão mais surpreendente é porém a de que entre os não vacinados a taxa de infeção secundária é praticamente a mesma entre as variantes OMICRON e DELTA; os autores interpretam este dado surpreendente avançando com a ideia de que a maior transmissibilidade da variante OMICRON pode estar essencialmente ligada a uma capacidade de evasão face á proteção imunitária e não propriamente a um aumento de transmissibilidade básica.
O que parece estar em causa neste último resultado, sobretudo tendo em conta que é ainda largamente desconhecido o tempo de proteção assegurado pelas vacinas, é segundo os autores a necessidade de adaptações das vacinas correntes e mais utilizadas à nova variante, não ignorando que a curto prazo a vacinação e o reforço são claramente instrumento de redução da transmissibilidade, já que o estudo mostra também claramente que o reforço de vacinação é eficaz na redução da transmissibilidade familiar da variante Omicron.
Como é óbvio qualquer estudo precisa de ser contextualizado e os autores alertam para possíveis enviesamentos, sobretudo pelo facto da investigação ter ocorrido num período de disseminação inicial da Omicron, com incidência sobretudo no escalão etários dos 20 aos 30 anos e em famílias com dois elementos, quando a variante Delta estava mais distribuída e aparecia sobretudo em famílias de 4 elementos. O artigo contempla ainda outros alertas que me dispenso aqui de citar.
Moral da história
A pressão mediática para decretar a endemia parece ser uma precipitação tola e aborrece-me que a principal figura política do país acolha essa precipitação.
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