sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

DEBATES E SONDAGENS

 


(Por razões que não interessam para o caso, não vi o debate António Costa-Rui Rio em direto, pelo que me limitei a recuperar os pontos que me interessava mais clarificar, mas fi-lo depois de ser bombardeado com diferentes interpretações do que aconteceu em tanto tempo de discussão. Aliás, embora o modelo escolhido para lançar o confronto de ideias na televisão tenha acabado por evitar o pior do que era antecipado e, sem querer ser mauzinho, parece que foi moldado para justificar o negócio do comentário televisivo posterior e já agora do comentário escrito. Entretanto, o material mais interessante de reflexão é o que resulta da análise conjunta do eco que fica dos debates com a sucessão de sondagens que se têm precipitado, transformando-as numa espécie de observatório da pulsão eleitoral permanente. Mas depois do que aconteceu nas eleições para a Câmara de Lisboa, apetece dizer que prognósticos ...)

A primeira ideia que me vem à cabeça é que entre o que fica do debate de ontem e o sentido de voto das últimas sondagens divulgadas, que fazem as primeiras páginas dos jornais, existe alguma dissonância e, em meu entender, não é pequena. Designadamente, entre a ideia forte que resulta da sondagem da Universidade Católica (tenho trabalhado profissionalmente muitas vezes com o CESOP da Universidade Católica e tenho a melhor impressão do seu trabalho) de que o PS estaria a três deputados de uma possível maioria absoluta e o posicionamento dos dois contendores no debate de ontem existe uma forte dissonância. Pelo que pude recuperar do debate, Rio não emerge do confronto de ontem como alguém em perda e pode dizer-se ainda que alguma da dramatização teatral ou sinceramente colocada no debate por António Costa pode ter sido determinada precisamente por aquela sondagem. É praticamente impossível determinar o que resulta para o eleitorado desta estranha combinação de sinais contraditórios, deste jogo estranho que vai resultando da consulta permanente ao eleitorado antes de se iniciar a campanha eleitoral, por mais atenuada na sua expressão física e de rua que ela vá apresentar-se.

O confronto de ontem tem matéria de muito interesse e um dos pontos mais relevantes parece-me ser o descaimento de Rio relativamente a políticas públicas com “apoios sujeitos a demonstração de recursos”, pagos em função do rendimento de cada um e pareço bruxo quando dediquei a essa matéria um posto nos últimos dias. Claro que são impressões de um debate e antecipar o que poderia ser uma governação com Rio ao leme é tarefa que exigirá mais atenção, mas que pelo que se conhece da personalidade de Rio essa possibilidade de inversão nas políticas públicas (tão desastrosa em alguns países como o Reino Unido) é muito provável que aconteça.

Em matéria de governabilidade, o debate trouxe alguns elementos novos sobretudo porque de certo modo Rui obrigou Costa a sair da toca. Assim, talvez influenciado pelas últimas sondagens, Costa foi mais claro em relação à rejeição de uma nova geringonça, é com cada vez menos pudor que fala de maioria absoluta, acena com uma trágico-cómica aliança com o PAN, agarra-se ao orçamento chumbado de 2022 e, mais importante de todos os novos elementos, fala de uma governação à Guterres, com apoios parlamentares pontuais que, de certo modo, é uma forma velada de aceitar a facilitação de governação que Rio lhe oferece no caso de Costa ganhar sem maioria absoluta. No meio deste turbilhão, Rio saiu-se com uma inesperada dramatização no caso de Costa perder as eleições e sair de cena, colocando Pedro Nuno Santos em palco e até acenando com o papão do Bloco de Esquerda no Governo. Imagino o eleitor mediano com a cabeça a estourar com tanta guinada pela frente e pensamentos tão cruzados a atravessar a sua decisão.

E no meio de tanto comentário e de tantos comentadores que não disfarçam que estão no jogo para o influenciar, talvez a ideia mais curiosa e surpreendente seja a de António Barreto no seu comentário do Público de hoje (link aqui), em que ele associa ao debate a impossibilidade de confirmação de uma solução negociada:

“(…) Cada um sabe que só ganha se esmagar o outro. O paradoxo dos partidos do centro reside na impossibilidade de se encontrarem ao centro. Rui Rio é tudo menos um homem da direita radical! Tem mau feitio, irrita-se facilmente, mas não é um radical de direita. Ora, sabe que só “lá” chega com a direita. Com toda a direita. António Costa é tudo menos um radical de esquerda. Pode ser ríspido e teimoso, mas radical não é. Sabe que só “lá” chega com a esquerda. Com a esquerda toda. São ambos civilizados, mas incapazes de negociar. Dependem da intransigência, não da capacidade de um dia se entenderem”.

É uma posição curiosa, mas em meu entender, a novidade do debate foi a governação à Guterres e essa, se estou a ver bem a coisa, pode mesmo conduzir a algumas aproximações com o PSD. E não esqueçamos a influência de Belém.

Mas prognósticos …

Sem comentários:

Enviar um comentário