terça-feira, 18 de janeiro de 2022

CONSERVADORISMO FISCAL?

 

(Banco de Portugal, Estatísticas online, Dívida pública: Administrações públicas - Ótica de Maastricht - Dados consolidados - Dívida - Posições - Passivos - Trimestral - % do PIB

(Uma das grandes fontes do atrito à esquerda que conduziu à rotura do apoio parlamentar ao Orçamento de 2022, mesmo antes de baixar à discussão na especialidade, como a esforçada líder do PAN tem tentado sublinhar em defesa da sua abstenção, é a perceção do PCP e Bloco de Esquerda de que Portugal foi pouco ambicioso no seu estímulo fiscal para mitigação da crise economia e social determinada pela crise sanitária e sucessivas medidas de confinamento. Agilizando algumas comparações internacionais, não com os EUA, em que tudo indica o estímulo de Biden ter excedido o output gap de então da economia americana, mas com a União Europeia, percebe-se que Portugal fica ali a meio caminho e, por conseguinte, se projetarmos a comparação em relação aos que foram mais audaciosos, é percetível que Portugal ficou aquém …)

Já compreendemos que Portugal alinhou pela posição europeia de apoiar o mais possível a preservação do emprego suportando as empresas e indiretamente os trabalhadores através de sucessivas medidas de lay off e de medidas complementares ao inevitável desemprego. Como já aqui sublinhei, a abordagem americana, muito baseada na conhecida flexibilidade do seu mercado de trabalho, optou antes por um apoio de grande escala ao rendimento, deixando o mercado funcionar em matéria de encerramento de empresas e lançamento de muita gente no desemprego.

É neste contexto que à esquerda do PS se sucederam acusações de que o estímulo público acionado pelo Governo português estava abaixo do que seria necessário e não encontro melhor expressão para esse descontentamento do que um artigo de Susana Peralta no Público de 29 de janeiro de 2021 (link aqui), em que a economista da Nova vociferava assim: “Compensar pouco, deixando as pessoas aflitas para pagar contas, é uma das formas de João Leão segurar as contas do défice. A sua gestão orçamental tem palas. Não vê além do dia seguinte.” A análise de Peralta tinha então em conta que o défice de 2020 tinha ficado 3,7 mil milhões de euros abaixo do que o próprio Governo tinha previsto em outubro de 2020. Para além disso, o PIB tinha caído em Portugal em 2020 cerca de 8,4% para uma queda de 6,8% na zona Euro e nos dois primeiros trimestres de 2021 ainda com queda superior no 1º trimestre de 2021[1] (5,7% contra 1,1%), o que em rigor contrariava a menor ambição dos estímulos nacionais.

Entretanto, ver gráfico inicial, o peso da dívida pública (dívida das administrações públicas) no PIB, depois de ter iniciado em plena pandemia um contínuo aumento trimestral durante o ano de 2020, iniciou a partir do 1º trimestre de 2021 uma descida para se situar no último trimestre com informação disponível nos 130,5% do PIB.

Sem grande necessidade de completar esta informação com outras variáveis, penso que pode falar-se de um certo “conservadorismo fiscal” na gestão macro e microeconómica da crise pandémico-económica, que de certo modo está em linha com a acusação feita à esquerda do PS. Sabemos que o principal efeito a analisar ainda não pode ser calculado com rigor, pois só agora as moratórias de crédito a empresas e a particulares estão a terminar e por isso o pior pode estar ainda oculto e não se ter manifestado com plenitude de efeitos. E pior do que isso ninguém pode antecipar com rigor quais vão ser os efeitos de recomposição de sistema produtivo (especialização produtiva e estrutura empresarial) e de qualificações no mercado de trabalho)[2].

Mas o que parece desde já sensato afirmar é que do ponto da relação recursos envolvidos-metodologia de intervenção-alcançados o conservadorismo fiscal não fica nada mal na fotografia. A atividade económica com ressalva dos setores de serviços mais afetados pela incidência de infeções e confinamentos aproxima-se cada vez mais dos valores pré-pandemia. Os indicadores sociais básicos como os beneficiários do rendimento de inserção estão em descida continuada de 2017 até 2020 (em 2021 os dados mensais descrevem uma descida continuada para pouco mais de 200.000 pessoas), com 257.216 indivíduos em 2016 para 257.939 em 2020. Os valores da taxa de desemprego estão bastante controlados. E subsiste a questão inflacionária que, ao contrário dos EUA, exige imaginação descontrolada para poder ser associada à dimensão do estímulo português e não a fatores energéticos e de política errada de habitação.

Assim, embora isso possa irritar os meus colegas à minha esquerda, o conservadorismo fiscal (de Leão, de Costa, da sombra que Centeno deixou no governo ou de quem quer que seja, não me interessa), embora tenha de ser avaliado com lentes mais rigorosas e com mais informação, apresenta-se com uma excelente relação custo-benefício. E é por isso que estou perplexo com os “inteligentes” estrategas da campanha eleitoral do PS, ou seja, esta mensagem parece-me essencial e não tem rigorosamente nada de demagogia para uma crise pandémica.

E nem sequer falei na sensatez de tal abordagem atendendo ao estado da dívida pública, porque de dívida total a questão é bem pior dado o endividamento das empresas. Porque compreendo bem a irritação dos que vêm em plena pandemia o peso da dívida pública no PIB a descer desde o último trimestre de 2020. E a sensatez está em não confundir a evolução do stock com a dimensão do próprio stock, que continua a ser um fator de vulnerabilidade acaso a Senhora Lagarde nos desampare, não a loja, mas na proteção.

Será que o timorato Leão vai acabar por ficar na história?



[1] Recordo que o segundo e terceiro trimestre de 2021 evidenciam aumentos de PIB superiores em Portugal (16,1% contra 14,4% no 2º e 4,2% contra 3,9% no 3º, relativamente ao trimestre anterior). Recordo ainda que a taxa de desemprego se tem mantido sempre abaixo da zona euro

[2] Sei por proximidade familiar a um dos autores que a Fundação Francisco Manuel dos Santos publicará um estudo em que será apresentada uma visão global e pormenorizada do que foram os efeitos económicos da crise pandémica, o que nos leva a esperar com muita curiosidade essa análise.

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