(Como eu gostaria que em Portugal existissem recursos e competências para organizar informação pandémica como esta publicada pelo New York Times, link aqui, respeitante a uma comparação entre as áreas de Nova Iorque e Seattle em matéria de consequências da vacinação e da não vacinação. E como seria bom não sujeitar Secretários de Estado a hesitações sobre oscilações de dados, 60% versus 90% e outros desvios afins. Para quem trabalha em planeamento há longo tempo não é novidade esta nossa incapacidade de organizar informação a partir de processos simples em que as nossas vidas profissionais se vão esgotando. Tenho para mim que esta incapacidade de organizar informação é o resultado de incapacidades organizacionais, o que nos obriga a sobre-esforços desmedidos que nos saem do corpo.)
Sabemos que um sinal dos tempos adversos que as democracias liberais enfrentam é a emergência de negacionismos científicos gerados em função dos mais sórdidos motivos. Libertários de última hora, mal-intencionados, mal amanhados da cabeça e com conceitos de liberdade que nos fazem recear ondas piores de estupidez gratuita intoxicam a opinião pública, tolerante e aberta à interferência de quem a quer inquinar, como tentativa de sublimação da sua manifesta infelicidade como seres humanos. A diversidade das origens destas formas de negacionismo está por estudar em profundidade e deve haver, creio eu, influência de contextos culturais, bastando para isso seguir com alguma atenção a geografia do negacionismo.
Aplicando este contexto à pandemia e à incompreensível rejeição da vacinação por alguns grupos, a disponibilização de informação atempada e fiável sobre as consequências de uma decisão tão simples, ser ou não vacinado, constitui um elemento crucial da eficácia da gestão pandémica. Esperar que os não vacinados sofram na pele as consequências de tão estúpida decisão é uma atitude ingénua, tirando de barato que poderá haver entre os negacionistas gente que nem à boca da morte mudará a sua posição, já que uma característica desta onda de libertários é a sua flagrante insensibilidade ao valor da vida.
É neste contexto que a informação que me chegou hoje de manhã no THE MORNING do New York Times me pôs a pensar sobre como seria bom mantermos informação desta natureza atualizada, sobretudo em plena disseminação de uma variante tão transmissível como a Omicron e com demasiada precipitação em “decretar” a passagem da pandemia a uma simples endemia.
Os dados comparativos sobre as áreas de Nova Iorque e Seattle são eloquentes acerca do potencial de comunicação que estes números apresentam.
Os números são eloquentes. Em matéria de incidência só um ceguinho não verá o alcance da vacinação, reduz incidência e sobretudo severidade da infeção, o que se manifesta na visão comparada das hospitalizações. David Leonhardt e Asley Wu responsáveis por este NYT The Morning sublinham que o desvio entre as hospitalizações de vacinados e não vacinados é ainda maior do que o revelado pelos números publicados, pois integram hospitalizados que o foram por outros motivos clínicos e que acabam testados como positivos. Há estudos nos EUA que evidenciam que entre 30 a 40% dos hospitalizados por outros motivos acabam por testar positivos.
E para fechar o balanço, o desvio de mortes entre vacinados e não vacinados é brutal como os gráficos assinalam.
Tenho para mim que os “novos libertários” do negacionismo são essencialmente o resultado de vidas com infelicidade máxima e estrutural. Não há poder por mais iluminado e intrusivo que ele se manifeste que seja capaz de situar individualmente a origem desta infelicidade. Mas uma atenção mais organizada às variantes mais disseminadas dos perdedores do capitalismo, da globalização e do progresso tecnológico ajudaria a conter algumas destas vidas que perdem a perceção do seu valor e para as quais a escolha da vida ou da morte mergulha na mais completa indiferença.
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