terça-feira, 25 de janeiro de 2022

NA RETA FINAL DA CAMPANHA

(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

Hoje acordei a ouvir Daniel Oliveira (DO) na TSF, o qual lia uma crónica a que chamou “Deixaram o Zé Albino à solta”. E o que é facto é que, ao contrário de muitas outras vezes, me revi no cerne das suas ideias-força de pendor mais analítico; direi até mais, avaliei o dito texto como especialmente bem urdido na essência da sua argumentação. Razão pela qual aqui reproduzo o que mais me ressaltou.

 

A começar: “Um dia se fará, com a devida distância, a arqueologia desta crise, dos seus responsáveis ou da sua inevitabilidade. Mas tudo isto era expectável na pré-campanha. O que não se esperava é que, chegada a campanha propriamente dita, com o BE e o PCP muito em baixo nas sondagens e sem mais eleitores para libertar, o PS continuasse concentrado neste flanco. António Costa queria reduzi-los a zero.” Ao que acrescentava ainda uma pergunta óbvia: “acha que o PAN e o Livre poderão alguma vez substituir a implantação política do PCP e do Bloco, que já tiveram, juntos, quase 20% dos votos e que representam desde 1999 sempre mais de 10% dos portugueses?! E um comentário factualmente curioso: “Mesmo que o objetivo do PS fosse a maioria absoluta, ela nunca foi conquistada pela redução do eleitorado à sua esquerda. Pelo contrário. Guterres, que conseguiu metade dos deputados, fê-lo com o Bloco a chegar ao Parlamento e os partidos à sua esquerda com mais 3 pontos percentuais do que antes. Sócrates conseguiu a maioria absoluta com o Bloco e o PCP a valerem juntos mais 4 pontos percentuais do que na eleição anterior. As maiorias absolutas conquistam-se ao centro.” Ou seja, e referindo-se à estranha estratégia de António Costa: “Concentrado nos parceiros de 2015, que estão reduzidos ao núcleo duro dos seus eleitores depois do abraço do urso da geringonça, não falou para quem interessava: para os eleitores que podiam fugir para o PSD”.

 

Depois, DO virou-se para o outro lado salientando a escolha de uma lógica radicalmente diversa ao afirmar que, entretanto, “Rui Rio não dizia nada, não defendia nada e limitava-se a exibir um sorriso postiço e a não hostilizar os partidos do seu campo.” E, assim, “quando Costa acordou, finalmente, do seu ajuste de contas, a que volta de vez em quando sem se perceber para quê, já estava instalado o registo piadético que Rui Rio decidiu ter na sua campanha; um registo que torna difícil mostrar os perigos que dali vêm; e vêm!” Porque, explica DO, Rio “é um autoritário, totalmente impreparado para a governação e com aliados que farão exigências com um fortíssimo preço social”; e porque, “sem discurso político próprio, cederá à agenda radical e classista da Iniciativa Liberal e está disposto a depender dos deputados do Chega para governar”. Em síntese: “Rui Rio ficou tão livre que até se reinventou. O homem, que não conseguiu unir o seu partido e que há poucas semanas fez uma purga nas listas do PSD, apresenta-se como alguém que se dá bem com toda a gente. Rio sempre disse que as eleições não se ganham, perdem-se. Por isso, as esvaziou de política. Sorri, diz umas coisas simpáticas, e mostra o seu gato, Zé Albino, que num momento importante para o País se transformou na estrela do circo que as televisões, elas próprias vazias de política, adoram.”

 

Por fim, e voltando a Costa, considerou então DO que ele “desperdiçou semanas sem confrontar Rui Rio”. Afirmando: “Achou que estava no papo. E, desafiando a história, julgou que se secasse o resto da esquerda, poderia ter a maioria absoluta. Acordou esta semana. Tem quatro dias para fazer o que não fez nestes meses: disputar votos com o PSD. E para fazer figas para que a gestão satisfatória da pandemia e os resultados decentes destes seis anos, sobretudo os primeiros quatro do tempo em que realmente havia uma geringonça, pesem mais do que o seu taticismo suicida e do que o sorriso de Rui Rio.”

 

Ficam assim apresentados os aspetos que mais importam de um ponto de vista menos subjetivo e menos valorativo. Que aqui servem, sobretudo, para chamar a especial atenção de todos para o que poderá ou não ser uma radicalmente nova prestação de Costa nos três dias de campanha que aí vêm. O que, a acontecer, lhe poderá permitir passar da justa derrota por demérito próprio que já se anuncia a uma vitória provavelmente tangencial e arrancada a ferros; mas esta só advirá, se advier, da energia e competência com que Costa consiga interpretar uma estratégia cerzida em cima dos rasgões que tão desastradamente foi promovendo durante meses (e, sobretudo, nas passadas três semanas). Perguntar-se-á se essa hipótese de vitória será o desfecho mais justo para a contenda a que temos vindo a assistir ― responderia do seguinte modo: Costa deixou por demais claras as suas imprevistas mas enormes fragilidades políticas (no sentido das dimensões de valores e transparência que ainda possam contar que não do jogo mais ou menos manhoso que crescentemente se vai impondo) mas a escolha dele por contraponto a Rio (e deixando de lado a relevante questão de que não estamos apenas a eleger um primeiro-ministro mas sim os tais 230 deputados) será certamente a de alguém portador de uma experiência de governação e europeia melhor capazes de proporcionarem ao País os elementos adicionais de estabilidade de que carecerá para enfrentar os difíceis tempos que temos pela frente.

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