sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

DE ACORDO COM BOAVENTURA? SIM É UM FACTO

 


(Sem questionar a projeção científica internacional de Boaventura Sousa Santos que, para azia constante da sociologia mais estabelecida lá para os lados da capital, colocou o Centro de Estudos Sociais de Coimbra num lugar cimeiro que tenderá inevitavelmente a reforçar-se com o tempo e em linha com a sua massa crítica de investigação, tenho de confessar que na transição da investigação para a análise e prática política que estou frequentemente em desacordo e noutra onda. Penso que grande parte do desajustamento de posições tem que ver com, na minha modesta opinião, a forçada aplicação a Portugal do conceito de semi-periferia e a consequente mistura de conceitos forjados na análise económica e sociológica dos países dependentes. Mas isso é questão para outros possíveis posts. Por hoje, fica sobretudo o registo que depois de ler o artigo hoje publicado por Boaventura Sousa Santos no Público, link aqui, sinto-me obrigado a exclamar que assino por baixo, salvo uma pequena referência à TAP. O que me coloca um problema sério: se a Esquerda é burra e eu não me considero burro de todo, será que não serei de esquerda?…)

Mas retirando a questão um pouco estéril de saber se sou burro, de esquerda ou do que qualquer outra coisa, a análise de BSS é correta e valeria a pena ser lida pela gente que protagonizou os acordos parlamentares à esquerda.

Como já aqui repetidas vezes o sublinhei, independentemente das condições políticas objetivas terem mudado substancialmente e do reconhecimento de que uma simples reedição acrítica da geringonça não seria viável de todo, a não aprovação do Orçamento de Estado para 2022 no meio de uma pandemia é um erro histórico crasso e estou-me nas tintas se foi a arrogância de António Costa ou o irrealismo de PCP e Bloco a provocar o desenlace. O problema é que como seria de esperar e aqui o recordei a crise política aberta iria inevitavelmente proporcionar as condições ideais para a recomposição da direita acontecer, por mais frágil que ela possa parecer neste momento, mas convém recordar que estes fenómenos de recomposição em ambientes eleitorais voláteis tendem a processar-se a uma velocidade elevada.

Invocando uma afirmação de Fernando Henrique Cardoso em conversa com BSS (nos tempos em que eram amigos, apressa-se este último a esclarecer, imagino que o corte de FHC com Lula terá acabado com essa amizade) segundo a qual a “Esquerda é burra”, o artigo de BSS desenvolve e bem a tese de que a esquerda ficou no debate eleitoral presa nos temas que a direita conseguiu impor, tais como a governabilidade, os casos pontuais de stress do Sistema Nacional de Saúde, o cansaço da governação PS e do próprio António Costa. PCP e Bloco vidrados na denúncia de uma possível maioria absoluta do PS e o PS -António Costa cada vez mais encarniçados na explicitação desse pedido favorecem essa dependência dos temas que a direita quis colocar no centro do debate, acolitada pela grande maioria do comentário político que está numa excitação completa pelo cheiro a mudança política.

O facto de achar que é completa e praticamente inviável a recomposição de acordo parlamentar à esquerda com PCP e Bloco, isso não significa que a estratégia seguida por António Costa não seja errada e não tenho hoje dúvidas de ela é errada. Aliás, chamei em devido tempo a atenção para que reatar a estratégia seguida na eleição para a Câmara Municipal de Lisboa iria implicar um risco elevado de insucesso. Investir forte e feio contra PCP e Bloco significa antes de mais não poder valorizar o que foi conseguido em seis anos (quem esperaria tal?) de acordo político parlamentar à esquerda. Não seria difícil em termos comunicacionais explicar que uma continuidade pura e simples após o chumbo do Orçamento de 2022 seria impossível, mas manter portas abertas de reavaliação de novas prioridades manteria sempre o eleitorado numa expectativa positiva. Para além disso, exacerbar a referência à maioria absoluta quando a generalidade das sondagens assinala a sua não provável ocorrência significa estar sempre a perder, pois as primeiras páginas dos jornais ainda representam alguma coisa mesmo que as pessoas não os comprem. Costa a encarniçar-se na maioria absoluta e as sondagens a contradizê-lo significa uma trajetória de perda e o eleitorado de última hora e indeciso é muito sensível a essas sensações que se instalam no ar e que obviamente os media depois ampliam.

Não vou entrar nas análises de caráter de António Costa e sobre os tiques de arrogância que estão a instalar-se no comentariado político e nas análises à campanha eleitoral. Não o conheço pessoalmente e a tensão político-eleitoral não é o contexto ideal para o fazer. E creio que não é nessa base que o eleitorado o avalia. É antes na (in) capacidade para construir acordos de governação em função de projetos para o país que a opinião se forma. Dramatizações excessivas para os Portugueses não são do apreço do nosso eleitor, pois de dramatizações estão eles cheios nas suas próprias vidas.

Chumbar à esquerda um Orçamento de Estado no meio de uma pandemia já foi trágico. Prosseguir caminho com a estratégia eleitoral que tem sido seguida à esquerda, já não é apenas trágico. É burrice e parece que o Fernando Henrique Cardoso tem razão. Degladiar-se entre si e esquecer com essa bizarria a prioridade de atacar as claríssimas fragilidades da direita é de facto uma má opção e por isso estou sinceramente com “bad feelings” relativamente aos resultados do dia 30. Por isso votarei no dia 23.

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