quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

FLASHES DE FIM DE CAMPANHA

 


(É apenas impressão minha ou estes últimos dias de campanha estão menos agitados do que esperávamos? É claro que o regresso às lides de Jerónimo de Sousa é em si próprio um acontecimento: em que outro país do mundo de hoje um dirigente comunista desperta tanta simpatia como em Portugal? Francisco Louçã surgiu em Braga na campanha do Bloco, regressando ele também aos palcos eleitorais embora com um dos seus menos interessantes discursos. Rio continua a distribuir sorrisos e a afirmar que a probabilidade do PSD ganhar é maior do que a do PS: mas, corrijam-me por favor, não consegui apanhar esta semana que fina na comunicação social uma nova ideia programática que seja no discurso do PSD. Que significado tem isto numa comunicação social fortemente apostada em cavalgar a tendência de mudança? Talvez seja no PS que a mudança de agulhas terá sido mais acentuada. Já não era sem tempo e a grande dúvida é se virá a tempo. Nos comícios de Aveiro e de Setúbal há matéria discursiva nova. Não sei se esta novidade chegará para corrigir o tiro. Mas aqui, pelo menos, a campanha justificou-se e não serviu para encher balões ...)

Num ponto estou de acordo com Manuel Carvalho, Diretor do Público. A pré-campanha com a caterva de debates a dois e a campanha propriamente dita estiveram acima do que esperaria. O que está em profundo desacordo com a peregrina ideia que se instalou entre alguns ambientes de opinião adversos ao Governo de que o país estaria amordaçado por quatro anos de geringonça e mais dois anos de governação em busca de novos acordos, que se instalara uma anomia eleitoral, que a inércia dominava e que a ação governativa tinha comprado o eleitorado. Claro que estes mesmos extremados e diletantes focos de opinião são precisamente os mesmos que se declararam extasiados com a dinâmica de mudança instalada, que se converteram a um Rio que odiavam e do qual escarneciam forte e feio. Mas afinal onde estão a anomia e a estagnação?

Não esqueço que a minha análise é profundamente mediada pela projeção da campanha na comunicação social e, felizmente, tenho trabalho profissional suficiente e interessante para me tirar do sofá ou da poltrona e assim limitar a minha busca de informação à sequência infernal de reportagens, entrevistas e comentários sobre a labuta diária dos candidatos e das máquinas eleitorais das forças políticas em combate.

Com estas profundas limitações, interrogo-me, assim, modestamente, acerca das novas ideias que Rio e o PSD tenham trazido à reflexão dos eleitores esta semana? É que confesso humildemente que não apanhei uma que fosse, como se Rio se tenha feito de morto ou de zombie, para não afligir os eleitores do tal centro que ele tanto procura captar. Para mim, tudo soou como se Rio tivesse esgotado o arsenal de tiro no debate com António Costa e na primeira semana de campanha e tivesse aguentado a segunda para não estragar o impacto da primeira e viver dos rendimentos colhidos nos primeiros embates. Claro que isto tanto pode resultar de estratégia eleitoral deliberada ou de alguma desconfiança do próprio. Só os resultados de domingo poderão esclarecer este estranho fenómeno.

Quanto ao PS e a António Costa, estamos perante uma segunda parte como o FCP tem praticado nos últimos tempos e, Deus meu, aqui estou a utilizar uma metáfora que me aperta o coração, mas estou farto dos zombies vestidos de encarnado que se arrastam pelas segundas partes, com um Veríssimo que parece não ser capaz de motivar nem os seus lá em casa, muito menos uma equipa cheia de vícios coletivos e pouco afortunadas virtudes individuais.

Mas, nesta matéria, o PS e António Costa, penso porque o fogo lhe chegou perto e talvez alguma mente próxima divina o terá aconselhado em termos como, “ou te mexes e mudas de estratégia de discurso ou prepara a chamada para o cangalheiro político”, mexeram-se e muito nesta última semana.

Por ordem inversa do dia em que aconteceram, invoco aqui as notícias sobre os comícios de Setúbal e Aveiro, por razões diversas e com significados políticos muito diferentes, mas convergentes num ponto: ambos corrigiram trajetória de discurso.

No comício de Setúbal, distrito no qual Ana Catarina Mendes joga também algum do seu futuro político e recorde-se que, entre as sucessões de Costa de que se tem falado, é praticamente a única que não tem historial de governação, a sempre perspicaz jornalista do Público Liliana Gomes traz para a reportagem a seguinte afirmação de António Costa (link aqui): “António Costa afirmou esta quarta-feira que é preciso saber ouvir os portugueses e, ‘sem acrimónias e sem rancores’, saber reconhecer a ‘responsabilidade histórica’ do PS, um partido que, nas palavras do líder socialista, ‘foi sempre o ponto da concórdia nacional, o ponto de mobilização das diferentes forças políticas e da unidade nacional’” e, mais ainda, “Queremos criar condições para que haja uma maioria na Assembleia da República” que “não adie” medidas como o aumento extraordinário das pensões, acrescentou. “Só há uma resposta a dar no próximo domingo: acabar com esta crise política já no domingo e não a deixarmos prolongar por mais quatro anos”, afirmou”.

Ufa, custou, até que enfim e juro que não tenho qualquer contacto com os que se movimentam na proximidade de António Costa. Entrava pelos olhos dentro de qualquer mente com um mínimo de sensibilidade política que Costa estava em trajetória deslizante para o enterranço total, e resta saber, se estará a travar e a guinar a tempo. Ou seja, uma mudança de discurso que contribuirá também para dissolver a ideia, sobretudo vinda do Bloco e de tais aragens, que Costa foi o principal responsável do chumbo do Orçamento de 2022 (essa meus amigos não me convence de todo).

O comício de Aveiro é sobretudo importante porque António Costa não foi sequer o artista da festa. Pedro Nuno Santos, candidato no distrito, irrompeu na campanha e de forma muito inteligente, é o menos que posso dizer (e estou a ser sincero, pois tenho dado a conhecer que não sou propriamente um entusiasta de PNS e não apenas pela questão da TAP, que também, já agora, parece recuperar com valores acima dos fixados no Plano de Reestruturação). A intervenção de PNS no comício é relevante, pois trouxe a Europa para a campanha do modo mais inteligente possível. O Expresso era taxativo na comunicação do acontecimento (link aqui): “Pedro Nuno eclipsa Costa com discurso inspirado no alemão Scholz”. A principal novidade é a invocação simultânea das chamadas raízes de pensamento do PS e do pensamento do novo líder social-democrata alemão, numa alusão que pode eventualmente ruir quando nos confrontarmos com a “real politik” dos sociais-democratas alemães quando as questões do ajustamento macro na União apertarem. E até deu para invocar Michael Sandel (Harvard University) na sua ofensiva contra a tirania do mérito. E lá se fez referência ao “respeito” e à valorização dos operários e das classes trabalhadoras no discurso político que foi um dos eixos de comunicação do novo chanceler alemão – um ex-advogado laboral”. E ainda deu para falar da trajetória de inovação no têxtil e calçado (estamos em Aveiro) como algo de antagónico ao modelo de salários baixos.

Mesmo assim, pouca Europa para o que seria necessário, mas uma passagem pela campanha eleitoral que não deixará o universo PS indiferente. E menos se compreende a concentração em torno da imagem de António Costa, praticamente em toda a campanha, até porque a imagem de um partido se reforça com a diversidade de possíveis sucessores e não o contrário.

Os dados parecem lançados e dificilmente a sexta feira derradeira trará achas relevantes. Costa guinou, mudou de trajetória, aparentemente não derrapou, mas resta saber se deu para controlar a viatura e assegurar a chegada a onde se pretende. Como governar é outra questão, mas isso só tem sentido depois de ganhar.

Nota final: e para os que gostam de salientar o despesismo do Governo, os dados da execução orçamental de 2021 hoje publicados evidenciam que o défice público ficou 2.536 milhões de euros abaixo do esperado, reafirmando o que eu aqui designei de boa relação custo-benefício do “conservadorismo fiscal” que o praticamente invisível Leão tem protagonizado. Claro que o Bloco de Esquerda e o PCP malharão quanto baste nestes números. Mas para a grande questão de 30 de janeiro são números favoráveis ao Governo.

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