(Yolanda lembra-nos uma bela canção mas é antes da política, advogada e sindicalista Yolanda Diáz, atualmente vice-Presidente do Governo de Pedro Sánchez, que quero falar, na sequência de um inspirador encontro recentemente realizado em Madrid que envolveu a política espanhola e o economista francês Thomas Piketty. Apesar das inconsistências e problemas de governação que o governo de Pedro Sánchez tem enfrentado, muito determinados pela sua problemática base de apoio parlamentar que obriga a complexas e perigosas negociações com partidos nacionalistas e autonomistas, é indiscutível que a substituição de Pablo Iglésias por Yolanda Diáz se traduziu por uma outra fluidez na relação PSOE-Podemos/Esquerda Unida, que culminou, pasme-se, numa proposta governamental de reforma de legislação laboral, por agora em discussão e com alguma dificuldade de implementação. Imagine-se o que seria o equivalente em Portugal – uma legislação laboral negociada entre o PS e o Bloco de Esquerda... Os países vizinhos são de facto muito diferentes …)
Já por repetidas vezes expressei neste espaço a minha “perceção feminista” da política espanhola. De facto, se quisermos ser rigorosos o que de entusiasmante tem por ela acontecido nos últimos tempos tem as mulheres como protagonistas. É assim com Isabel Diaz Ayuso, a impetuosa madrilena do PP, foi assim com Inés Arrimadas no Ciudadanos quando este partido mantinha o seu estado de graça depois de se afirmar como partido mais votado na Catalunha (onde isso vai), é o caso agora de Yolanda Diáz e pelo próprio governo de Sánchez passaram nomes como Carmen Calvo e Nadia Calviño que se destacaram na política espanhola. E mesmo a nível local a eleição de Inés Rey Garcia (PSOE Galicia) para Presidenta do Ayuntamiento da Corunha foi uma lufada de ar fresco na política galega. Por isso, costumo dizer que procuro e não encontro na política portuguesa a mesma energia feminina, pois gente como Isabel Moreira, Marisa Matias, Ana Gomes e as irmãs Mortágua perderam nos últimos tempos alguma energia, não se vislumbra por exemplo no PCP ninguém de relevo e a própria Catarina Martins parece ter transitado nos debates eleitorais para uma perspetiva mais senatorial que surpreendeu alguns jornalistas. E o PS não conseguiu nada mais emocionante do que recuperar Edite Estrela para uma possível Presidência da Assembleia da República. Estamos conversados.
Mas regressando ao tema do post de hoje, Yolanda Diáz, já percebemos, e já o referi em post anterior, que a vice-Presidente tem projeto político próprio que passou até pela visita ao Papa Francisco, o que para uma militante ativa da Esquerda Unida não está nada mal. A convergência política que ela acabou por viabilizar em matéria de legislação laboral com o PSOE é um verdadeiro acontecimento, independentemente do percurso difícil que a sua negociação representará numa sociedade espanhola tão polarizada e em que o “killer instinct” político está profusamente distribuído. Prometi em posts anteriores uma análise mais fina desta legislação, a promessa não está esquecida, mas o decreto-real é extenso e ando em busca de tempo para o fazer com calma.
Por hoje, gostaria de assinalar o importante sinal político que representou a participação de Yolanda Diáz num encontro público em Madrid com o economista Thomas Piketty, sobretudo tendo em conta que o tema do encontro foi o que eu considero ser um dos principais fatores diferenciadores dos projetos políticos por estes tempos, a questão da fiscalidade, aliás como se tem visto na antecâmara da campanha eleitoral em Portugal.
Tal como o temos abundantemente referido neste blogue, Piketty é entre as vozes dos economistas com intervenção política aquela que tem pugnado mais por uma fiscalidade mais progressiva, contrariando a partir do tema da desigualdade a tendência de uma certa direita, em que o PSD também participa, para “desfiscalizar a economia”, prometendo a descida de impostos como o El Dorado da dinamização do investimento privado e por essa via do crescimento económico. Em recente artigo de opinião no Público, Susana Peralta foi direita ao assunto e pergunta desassombradamente: “Para que serve uma taxa chata (flat tax)?” E responde ainda com mais assertividade, “serve, em primeiro lugar, para baixar a carga fiscal das pessoas mais ricas”. Aliás, o artigo de Susana Peralta (link aqui) é profundamente pedagógico, todos os que participaram ou coordenaram debates eleitorais deveriam tê-lo lido, entre outras coisas para compreenderem as diferenças entre taxa marginal e taxa média de impostos e termos em conta que “segundo a AT, as únicas pessoas que em Portugal pagavam em 2019 taxas médias superiores a 40% eram 4180 agregados (0,08% do total!)”. Estamos conversados. Como Peralta conclui, começar a reformar o sistema fiscal português pela “taxa chata” sem identificar primeiro as principais distorções fiscais do nosso sistema, decorrente entre outras coisas de um pouco transparente sistema de benefícios fiscais, assenta num viés claramente ideológico. Todos os estudos que se conhecem permitem concluir que a descida de impostos beneficiou sempre os mais ricos, para além de haver indícios de evasão fiscal, contrariando pela evidência toda a bonomia do discurso que a defende.
O que ressalta do encontro de Yolanda Diáz com Thomas Piketty (link aqui e também aqui) é a expressa vontade da Vice-Presidente querer integrar a progressividade dos impostos no seu projeto político e social. Da parte de Piketty veio a revelação de que o mínimo global de uma taxa de imposto sobre as empresas multinacionais de 15% poderia ter sido mais elevado (e pelos vistos Joe Biden estava preparado para o aceitar) acaso não tivesse havido tanta resistência por parte dos dirigentes europeus, sobretudo Macron e Merkel.
Por todos estes sinais e evidências, estamos perante uma política que está longe de ser ingénua, disparatada ou errática. O seu projeto afirma-se cada vez mais e escolher o tema da progressividade dos impostos é um sinal de que não brinca em serviço e encontra-se para tal com uma das vozes mais relevantes na economia de hoje para o defender.
Claro que projetando este debate para Portugal, já o referi aqui mais importante do que para já descer impostos de forma estrutural (outra coisa será aliviar alguns grupos de rendimento) seria aumentar a base fiscal da economia portuguesa, mas isso em tempos de eleições é uma miragem.
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