sexta-feira, 20 de julho de 2012

FISCALIDADE E CRESCIMENTO



Com um verão a norte de brisa a sugerir mais esplanada do que praia e sobretudo esplanadas abrigadas tanto quanto possível, tem havido tempo para acompanhar mais de perto a situação espanhola do que a portuguesa. Afinal a Galiza está à distância de um olhar, apenas com o Minho a separar, artificialmente diga-se.
Um bom artigo de opinião no El País de hoje, “Reformar la fiscalidade para crescer” de Michel Boldrin e Ignacio Conde-Ruiz sugere-me um tema de reduzida disseminação no debate público nacional, pelo menos do ponto de vista comparativo com os padrões heterogéneos da União Europeia.
Os articulistas chamam a atenção para uma contradição insanável vivida pelas contas públicas espanholas: a Espanha apresenta um dos mais baixos pesos da receita fiscal global no PIB no contexto da União Europeia (em torno dos 35% para um valor em torno dos 44,7% em Portugal) (ver gráfico acima) e apesar disso parece aspirar a manter um generoso Estado de bem-estar ou de proteção social.
De facto, para um dado padrão de escolhas públicas, a dimensão e generosidade do Estado social ou protetor não podem deixar de depender da capacidade de arrecadação e punção fiscal que um dado governo apresenta em relação à sociedade contribuinte. Uma das originalidades do modelo espanhol reside no facto das aguerridas comunidades autónomas espanholas apresentarem uma significativa capacidade de gasto, embora não a possuindo de todo em matéria de receita fiscal. Considero este facto um perigoso desvio democrático, diria mesmo uma viciada distorção do jogo democrático. Nunca morri de amores pelas lideranças políticas regionais em Espanha, sobretudo porque sempre as considerei viciadas no jogo fácil da manipulação da despesa sem o ónus democrático da punção fiscal, exercida através de impostos próprios, cuja aplicação possa ser imputada aos governos. Uma coisa é o estado central cobrar impostos e saber-se que uma parcela dessa receita é como se fosse cobrada por uma dada comunidade autónoma ou região. Outra coisa totalmente diferente é um governo regional ter de construir uma base de receita fiscal para poder aspirar a um dado padrão de despesa. Governar à “Alberto João Jardim”, isto é, sem o ónus de onerar os cidadãos eleitores com uma carga fiscal apropriada é uma distorção grave do jogo político democrático.
Ora, nos tempos atuais, sem margem de endividamento possível, fica fechada a válvula disponível que regulava o desvio entre a capacidade de despesa e o poder de mobilização de receita. Muitos líderes pretensamente visionários, por via da despesa, verão no futuro próximo arrefecido o seu entusiasmo artificial, tipo Viagra, e rapidamente perceberão que o seu visionarismo cai pela base. A megalomonia (de candidatos ao Porto, por exemplo) de alguns vai desmoronar-se como um baralho de cartas, para nosso sossego.
A Espanha tem certamente ainda uma significativa margem de manobra em matéria de receita fiscal, não só pelo baixo peso da sua receita total em relação ao PIB, mas também na sequência de um federalismo fiscal corresponsabilizando as comunidades autónomas pela tarefa da arrecadação de impostos.
E aqui há uma ampla margem para o debate doutrinário. Mas de qualquer modo, a meu ver, a maneira certa de pensar é estabilizar até onde a capacidade de receita fiscal pode ir, definir uma carga fiscal tolerável seja a nível político interno, seja a nível do investimento estrangeiro e da sua atração. Definido esse padrão e recuperada alguma margem de endividamento (difícil na próxima década), então vêm as escolhas públicas em torno de um dado nível de despesa público. Parece simples, mas na prática é bem mais difícil do que parece resolver esta equação.
Com os seus 44% e picos de peso da receita fiscal no PIB, Portugal tem uma margem de manobra mais reduzida. Restar-lhe-á um esforço sério de eficiência fiscal, a vinda à superfície de parte da economia informal e subterrânea e sobretudo a equidade fiscal com tributação acrescida dos rendimentos do capital. O argumento do capital estrangeiro é pura treta. Em vinte anos, deu para perceber o que vale nessa perspetiva uma baixa fiscalidade do capital. Tudo indica que o capital estrangeiro é sensível a outros argumentos. E por esse argumento os países escandinavos estariam condenados ao ostracismo, o que não se verifica.

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