Com um verão a norte de brisa a sugerir mais esplanada do
que praia e sobretudo esplanadas abrigadas tanto quanto possível, tem havido
tempo para acompanhar mais de perto a situação espanhola do que a portuguesa. Afinal
a Galiza está à distância de um olhar, apenas com o Minho a separar,
artificialmente diga-se.
Um bom artigo de opinião no El País de hoje, “Reformar la fiscalidade para crescer” de Michel Boldrin e
Ignacio Conde-Ruiz sugere-me um tema de reduzida disseminação no debate público
nacional, pelo menos do ponto de vista comparativo com os padrões heterogéneos
da União Europeia.
Os articulistas chamam a atenção para uma contradição
insanável vivida pelas contas públicas espanholas: a Espanha apresenta um dos mais
baixos pesos da receita fiscal global no PIB no contexto da União Europeia (em
torno dos 35% para um valor em torno dos 44,7% em Portugal) (ver gráfico acima)
e apesar disso parece aspirar a manter um generoso Estado de bem-estar ou de
proteção social.
De facto, para um dado padrão de escolhas públicas, a
dimensão e generosidade do Estado social ou protetor não podem deixar de
depender da capacidade de arrecadação e punção fiscal que um dado governo
apresenta em relação à sociedade contribuinte. Uma das originalidades do modelo
espanhol reside no facto das aguerridas comunidades autónomas espanholas apresentarem
uma significativa capacidade de gasto, embora não a possuindo de todo em matéria
de receita fiscal. Considero este facto um perigoso desvio democrático, diria
mesmo uma viciada distorção do jogo democrático. Nunca morri de amores pelas
lideranças políticas regionais em Espanha, sobretudo porque sempre as
considerei viciadas no jogo fácil da manipulação da despesa sem o ónus democrático
da punção fiscal, exercida através de impostos próprios, cuja aplicação possa
ser imputada aos governos. Uma coisa é o estado central cobrar impostos e
saber-se que uma parcela dessa receita é como se fosse cobrada por uma dada
comunidade autónoma ou região. Outra coisa totalmente diferente é um governo
regional ter de construir uma base de receita fiscal para poder aspirar a um
dado padrão de despesa. Governar à “Alberto João Jardim”, isto é, sem o ónus de
onerar os cidadãos eleitores com uma carga fiscal apropriada é uma distorção
grave do jogo político democrático.
Ora, nos tempos atuais, sem margem de endividamento possível,
fica fechada a válvula disponível que regulava o desvio entre a capacidade de
despesa e o poder de mobilização de receita. Muitos líderes pretensamente
visionários, por via da despesa, verão no futuro próximo arrefecido o seu
entusiasmo artificial, tipo Viagra, e rapidamente perceberão que o seu
visionarismo cai pela base. A megalomonia (de candidatos ao Porto, por exemplo)
de alguns vai desmoronar-se como um baralho de cartas, para nosso sossego.
A Espanha tem certamente ainda uma significativa margem
de manobra em matéria de receita fiscal, não só pelo baixo peso da sua receita
total em relação ao PIB, mas também na sequência de um federalismo fiscal
corresponsabilizando as comunidades autónomas pela tarefa da arrecadação de
impostos.
E aqui há uma ampla margem para o debate doutrinário. Mas
de qualquer modo, a meu ver, a maneira certa de pensar é estabilizar até onde a
capacidade de receita fiscal pode ir, definir uma carga fiscal tolerável seja a
nível político interno, seja a nível do investimento estrangeiro e da sua atração.
Definido esse padrão e recuperada alguma margem de endividamento (difícil na próxima
década), então vêm as escolhas públicas em torno de um dado nível de despesa público.
Parece simples, mas na prática é bem mais difícil do que parece resolver esta
equação.
Com os seus 44% e picos de peso da receita fiscal no PIB,
Portugal tem uma margem de manobra mais reduzida. Restar-lhe-á um esforço sério
de eficiência fiscal, a vinda à superfície de parte da economia informal e
subterrânea e sobretudo a equidade fiscal com tributação acrescida dos
rendimentos do capital. O argumento do capital estrangeiro é pura treta. Em
vinte anos, deu para perceber o que vale nessa perspetiva uma baixa fiscalidade
do capital. Tudo indica que o capital estrangeiro é sensível a outros
argumentos. E por esse argumento os países escandinavos estariam condenados ao
ostracismo, o que não se verifica.
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