sábado, 28 de julho de 2012

SOBRE O “QUE SE LIXEM AS ELEIÇÕES”


Os espanhóis tiveram o seu “que se jodam”. Em Portugal quedamo-nos pelo “que se lixem as eleições”. O confronto diz bem da intensidade diferenciada com que se vivem estas coisas nos dois países.
Na altura em que a afirmação de Passos Coelho veio a público fiz a minha interpretação e, para meu espanto, o cacarejar que se seguiu à sua publicitação evoluiu para outras interpretações, da qual talvez a mais patética fosse a do líder parlamentar do PS, que expressou que quem está a marimbar-se para as eleições, o estará também para a democracia. A minha interpretação coincide com a de Vasco Pulido Valente expressa na crónica da passada sexta-feira, “Biblicamente estúpido”, mas com uma nuance que me parece relevante e que não vi ainda devidamente comentada.
Assim, ao contrário da generalidade das interpretações que vieram a público, não me parece que o “sound byte” o fosse para o exterior. VPV está certo a meu ver quando o interpreta como um recado para o interior, ou seja para o aparelho partidário do PSD, mais ou menos nos termos seguintes: não contem com manobras eleitoralistas antes do tempo, ou como diz VPV, o governo não mexerá uma palha em relação às eleições que se perfilam no horizonte imediato.
Mas há nesta prova de realismo do governo uma nuance que não pode passar despercebida. Inicialmente, a maneira como a maioria, particularmente o PSD, equacionou a abordagem ao resgate financeiro podia mais ou menos resumir-se a esta interpretação tática: três anos de duros sacrifícios, emergência de resultados, reconhecimento do papel salvador da maioria, algum aliviamento e as eleições estão no papo, já que o PS estará ainda mergulhado na indecisão de condenar o seu passado recente ou na de assobiar para o lado.
O problema é que tal raciocínio subavaliou claramente os vícios e os riscos da terapia da austeridade redentora, designadamente o seu potencial caráter autodestruidor, por via sobretudo da destruição produtiva e diminuição considerável da capacidade de arrecadação fiscal. Nessas condições e com a indeterminação que grassa pela cena internacional e o contágio progressivo que a Itália e a Espanha estão a experimentar, a interpretação tática inicial (e certamente transmitida às hostes no início da governação) sairá muito provavelmente furada. Daí o aviso à navegação: não contem demasiado com governação para eleitor ver.
O desgaste interno do governo é espantosamente acelerado (António Lobo Xavier e José Pacheco Pereira são observadores insuspeitos deste ponto de vista) e o pior é que esse desgaste começa a ser visível, até nos traços fisionómicos do Primeiro-Ministro.
Assim, provavelmente ao contrário do que VPV diz ser um ato de inteligência e coragem, estaremos mais perante uma manifestação sincera de dificuldades, com aviso à navegação dos mais sôfregos pelo calculismo eleitoral. De facto, uma legislatura, mesmo que seja completa, não dá para consolidar os novos interesses. A inércia temporal que os interesses anteriormente implantados suscitam até serem erradicados prolonga-se muito para além do imediatismo do “agora somos nós a mandar”. Depois, o capital de benesses disponível para distribuir e ocupar foi substancialmente diminuído (santa austeridade!). Assim sendo, perante o ricochete potencial das autárquicas, é natural que os mais nervosos o estejam perante a eminente falta de tempo para consolidar interesses, pagar promessas e satisfazer compromissos.
Assim, não classificaria o “que se lixem as eleições” como um ato inteligente e de coragem, mas antes como a reação de um homem acossado.

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