Os espanhóis tiveram o seu “que se jodam”. Em Portugal quedamo-nos pelo “que se lixem as eleições”.
O confronto diz bem da intensidade diferenciada com que se vivem estas coisas
nos dois países.
Na altura em que a afirmação de Passos Coelho veio a público
fiz a minha interpretação e, para meu espanto, o cacarejar que se seguiu à sua
publicitação evoluiu para outras interpretações, da qual talvez a mais patética
fosse a do líder parlamentar do PS, que expressou que quem está a marimbar-se
para as eleições, o estará também para a democracia. A minha interpretação
coincide com a de Vasco Pulido Valente expressa na crónica da passada
sexta-feira, “Biblicamente estúpido”, mas com uma nuance que me parece relevante e que não vi ainda devidamente comentada.
Assim, ao contrário da generalidade das interpretações
que vieram a público, não me parece que o “sound
byte” o fosse para o exterior. VPV está certo a meu ver quando o interpreta
como um recado para o interior, ou seja para o aparelho partidário do PSD, mais
ou menos nos termos seguintes: não contem com manobras eleitoralistas antes do
tempo, ou como diz VPV, o governo não mexerá uma palha em relação às eleições que
se perfilam no horizonte imediato.
Mas há nesta prova de realismo do governo uma nuance que
não pode passar despercebida. Inicialmente, a maneira como a maioria,
particularmente o PSD, equacionou a abordagem ao resgate financeiro podia mais
ou menos resumir-se a esta interpretação tática: três anos de duros sacrifícios,
emergência de resultados, reconhecimento do papel salvador da maioria, algum
aliviamento e as eleições estão no papo, já que o PS estará ainda mergulhado na
indecisão de condenar o seu passado recente ou na de assobiar para o lado.
O problema é que tal raciocínio subavaliou claramente os
vícios e os riscos da terapia da austeridade redentora, designadamente o seu
potencial caráter autodestruidor, por via sobretudo da destruição produtiva e
diminuição considerável da capacidade de arrecadação fiscal. Nessas condições e
com a indeterminação que grassa pela cena internacional e o contágio
progressivo que a Itália e a Espanha estão a experimentar, a interpretação tática
inicial (e certamente transmitida às hostes no início da governação) sairá
muito provavelmente furada. Daí o aviso à navegação: não contem demasiado com governação
para eleitor ver.
O desgaste interno do governo é espantosamente acelerado
(António Lobo Xavier e José Pacheco Pereira são observadores insuspeitos deste
ponto de vista) e o pior é que esse desgaste começa a ser visível, até nos
traços fisionómicos do Primeiro-Ministro.
Assim, provavelmente ao contrário do que VPV diz ser um
ato de inteligência e coragem, estaremos mais perante uma manifestação sincera
de dificuldades, com aviso à navegação dos mais sôfregos pelo calculismo
eleitoral. De facto, uma legislatura, mesmo que seja completa, não dá para
consolidar os novos interesses. A inércia temporal que os interesses
anteriormente implantados suscitam até serem erradicados prolonga-se muito para
além do imediatismo do “agora somos nós a mandar”. Depois, o capital de benesses
disponível para distribuir e ocupar foi substancialmente diminuído (santa
austeridade!). Assim sendo, perante o ricochete potencial das autárquicas, é
natural que os mais nervosos o estejam perante a eminente falta de tempo para
consolidar interesses, pagar promessas e satisfazer compromissos.
Assim, não classificaria o “que se lixem as eleições”
como um ato inteligente e de coragem, mas antes como a reação de um homem
acossado.
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