terça-feira, 31 de julho de 2012

A EXAUSTÃO NO DESPORTO E O REGRESSO DE MALCOLM GLADWELL


O foco mediático sobre os Jogos Olímpicos explica o aparecimento nos jornais e nas revistas de atualidade de análises sugestivas sobre o mundo da prática desportiva de alta competição.
Foco-me na insubstituível New Yorker de 30 de Julho de 2012, na qual saúdo o regresso de um jornalista que leio reverentemente, sobretudo pelo tom totalmente inusitado dos seus artigos, sempre com a dimensão da psicologia como abordagem transversal a um conjunto muito diversificado de temas. O jornalista é Malcolm Gladwell, o autor de obras que vão fazendo o seu percurso algo diferido no tempo em Portugal como Tipping Point, Blint, Outliers e What the Dog Saw, que se a memória não me atroiçoa esteve em Lisboa em 2011 para uma conferência sobre questões de empreendedorismo.
O artigo de 30 de Julho invade a questão desportiva e chama-se “Slackers – Alberto Salazar e a arte da exaustão”.
Cito-o neste blogue, não só pela sua atualidade (quantas exaustões os Jogos nos irão proporcionar?), mas sobretudo porque ele retoma uma velha ideia de um dos mentores deste blogue (Albert O. Hirschman), inicialmente formulada no Exit, Voice and Loyalty (um marco na ciência política) não para a mundo do desporto mas com um potencial de transversalidade que diferencia as grandes obras.
Aplicada ao desporto a ideia é muito simples. Há uma diferença crucial que divide os desportistas em dois grupos: os que dominam e controlam a exaustão, isto é, os que vivem, gerem e suportam o sacrifício incomensurável de um esforço que concede uma vitória; e os que tendo vivido uma vez que seja a dor de um esforço dessa natureza não são capazes de o viver de novo e perante essa possibilidade desligam e desistem (os slackers). Conforme é possível constatar, há pontos de contacto entre os slackers e o por mim intitulado síndroma de Fernando Mamede, o qual me parece ter nuances, ou não seja ele construído a partir de um atleta português.
A história de Gladwell foca-se na história de um maratonista americano de ascendência cubana (Alberto Salazar) que ainda se encontra nos recônditos recantos da minha memória e que constitui um exemplo dos que foram capazes de se transcender em diversos momentos, tendo ganho por exemplo por 3 vezes a maratona de Nova Iorque. Está vivo, é treinador nos EUA, terminou a sua carreira ainda antes dos 30 anos e é conhecido por ter sobrevivido não só a provas de exaustão que Gladwell descreve com minúcia e a um ataque cardíaco com uma aparentemente sobrenatural perda de consciência de 14 minutos.
A ligação deste tema com a ideia central do mentor deste blogue (HIrschman) prende-se com a tese de que em qualquer empresa ou organização existe sempre um gap entre a eficiência máxima potencial que pode atingir e o grau de subocupação de esforço ou de performance que ela atinge efetivamente.
Aliás, é esse gap que está na base do declínio natural de algumas organizações ou sociedades, mesmo depois de terem atingido o seu auge, mais efémero ou de curta duração. Outras organizações ou sociedades aproveitam esse efeito slack (efeito preguiça, desistência ou o que lhe queiramos chamar) para se superiorizar e tomarem a dianteira que outros anteriormente assumiram. Na perspetiva de Hirschman, as empresas e as organizações (a extensão da tese às sociedades ou países exigiria um grande esforço de aprofundamento) são “concebidas para serem sujeitas aleatoriamente ao declínio”, sendo substituídas por firmas ou organizações que farão o papel dos atletas que se transcendem e vencem a exaustão.
O argumento transposto para a prática desportiva de alta competição é sedutor. Pode dizer-se que a substituição natural de atletas como Michael Phelps, Bolt ou outros que tais se deve a questões essencialmente do foro físico e etário. A evolução no tempo do corpo não perdoa. Mas tal efeito não é suficiente para explicar plenamente a sucessão. O efeito slack está lá. A permanência durante muitos anos no pódio acaba por reduzir a capacidade de resistência à superação e frequentemente encurta a duração da prática desportiva e abrir caminho a novos candidatos ao sacrifício. O doping pode interpor-se nesta sequência e perturbá-la. Mas, mesmo sem a sua presença, a alta competição é de facto um universo em que os atletas são concebidos para experimentarem o declínio inexorável, enquanto outros tenderão a superar-se e a superar os slackers.

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