A decisão do Tribunal Constitucional em declarar como
inconstitucional o sequestro dos subsídios de férias e de Natal dos
funcionários públicos para o ano de 2013, embora admitindo como excecional o de
2012, baralha tudo de novo e abre um novo contexto.
Face às reações desencontradas que a noite nos trouxe, as
duas palavras que me ocorrem são perturbação e encruzilhada, ambas tolhendo a
governação.
Como diria Marcelo, não lembraria ao careca que o
Primeiro-Ministro, na rua e na entrada para um evento urbano, se tenha
precipitado em abrir uma solução, presumo sem consultar o parceiro de
governação, sem avaliar a dimensão global do problema e as alternativas que
podem colocar-se à governação. E nessa precipitação saiu inevitavelmente a
ideia da extensão do sequestro ao setor privado. O impacto desta comunicação
provocou obviamente uma grande confusão, pois as modalidades técnicas do
sequestro são diversificadas.
A armadilha do discurso da austeridade tomou de refém o
topo do governo e a precipitação da comunicação ocorre num momento muito
particular de fissuras na base partidária, sobretudo em relação ao rumo que
devem tomar o relacionamento com a Troika.
Miguel Cadilhe veio lembrar pertinentemente que o governo
abdicou praticamente de procurar reduzir o peso supérfluo da máquina do Estado
e que sem essa coragem política a consolidação orçamental não será nunca
estrutural e estará sempre dependente do espremer do rendimento disponível. O
que permite concluir que afinal o entusiasmo inicial do Estado mínimo é mais
fogo de vista do que outra coisa qualquer. E no Quadratura do Círculo, com fogo
pesado sobre a geração política no poder e sobre o emaranhado das relações que
permitiram a sua ascensão, veio a demonstração desse fogo de vista. Quem tem
esse modelo de ascensão e a rede emaranhada de relações que a suporta muito
dificilmente poderá proceder a uma tal reforma. Fazê-lo equivaleria a destruir
parte da sua base de ascensão, ou seja, o poder distributivo de cargos,
lugares, benesses, apoios.
Por outro lado, a governação é vítima da terapia que
assumiu. Com a taxa de desemprego nos níveis em que está e com a anemia e
destruição produtiva que a crise de procura está a provocar, não há qualquer
margem de manobra para medidas mais drásticas de supressão de serviços e órgãos
supérfluos. Sou dos que pensam que com um saudável padrão de escolhas públicas é
possível ter melhor Estado, com papel estratégico reforçado e seguramente
consumindo menos recursos.
O estado de graça seguramente que acabou há muito. Veremos
agora quem terá unhas para aguentar a larvar falta de autoridade e de
fundamentação para conduzir a parte mais complexa de todo o processo de
resgate.
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