domingo, 22 de julho de 2012

UM NOVO OLHAR SOBRE AS EXPORTAÇÕES DA PERIFERIA DA ZONA EURO


(Guillaume Gaulier)
(Daria Taglioni)
(Vicent Vicard)

Apesar do período estival, continuam a emergir artigos com investigação empírica que considero decisivos para desmontar muitas das ideias feitas (e não demonstradas) sobre as quais a abordagem às crises na periferia da zona euro está a ser construída.

Este é claramente o caso de um artigo de Guillaume Gaulier, Daria Taglioni e Vincent Vicard, o primeiro e o terceiro economistas do Banco de França e a segunda economista sénior no Banco Mundial, publicado no VOX EU.

Estes economistas demonstram “apenas” que, na década 2000-2010, a subida dos custos unitários em trabalho nos países periféricos da zona euro não foi a causa mas antes o sintoma de choques locais de procura induzidos pelos fortes afluxos de capitais observados nesses países naquele período.

A base empírica do artigo exige discussão mais demorada, mas o argumento do artigo é demolidor. Assim, ao contrário do que muitos economistas têm sugerido, incluindo o próprio Krugman, o agravamento dos défices externos correntes destes países não terá resultado de um problema de competitividade, mas antes de um choque de procura, que se traduziu num incremento desmesurado das importações. Só a França parece ver o agravamento do seu défice externo agravado por questões de competitividade das suas exportações.

Aliás, os autores evidenciam bem que as exportações destes países apresentam uma muito fraca correlação quer com o défice externo corrente, quer com os custos em trabalho ajustados pela produtividade (o chamado custo unitário do trabalho). Essa conclusão é coerente com a boa performance das exportações dos países periféricos nos primeiros 10 anos da União Monetária.

Com esta evidência empírica, completada com uma análise mais fina da composição das exportações em dois efeitos (“pull”, de composição de mercados e de setores e “push”, de performance), cai por terra um dos argumentos centrais dos processos de ajustamento “troika oriented”, a chamada desvalorização interna.

Ou seja, os viciados argumentos das reformas estruturais e da descida de salários para projetar a competitividade das exportações pressupõem uma leitura do agravamento dos défices externos que não é correta, ou seja, que não é demonstrada pelas evidências empíricas na periferia da zona euro.

E, boa música para os meus ouvidos, os autores demonstram que nestes países o aumento dos custos unitários em trabalho é sobretudo devido a desenvolvimentos altistas de preços nos setores não transacionáveis e não no setor transacionável. O que simplesmente aconteceu foi que o afluxo de capitais estimulou desmesuradamente a procura, puxando para cima os preços dos não transacionáveis e gerando também um forte incremento de importações.

Boa música para os meus ouvidos pois escrevi isto nas avaliações globais do QCA III realizadas em 2003 e 2005, chamando a atenção para o efeito de distorção de preços que o eldorado dos não transacionáveis estava a provocar.

Por isso, o senhor Borges e toda a camarilha da desvalorização interna e do choque salarial estão errados. Não se pode combater um problema com uma abordagem errada ou falaciosa às suas causas.

Aliás, por isso mesmo, a correção do défice externo corrente em Portugal tem sido tão rápida. É a forçada e dura descida imposta das importações que combinada com a continuidade da boa performance das exportações a explica. Por isso, ainda e sempre, o nosso problema de competitividade é uma questão estrutural de impor uma perda de dinâmica ao setor não transacionável e corrigir os seus preços em baixa.

1 comentário:

  1. Concordo plenamente com a análise que faz. De facto a evidência não demonstra que os défices externos resultam da falta de competitividade da economia. No meu blog ecoseconomia.blogspot.pt publiquei recentemente um artigo onde tento desmontar a ideia de que devemos competir via custos, e que a nossa economia não tem perdido competitividade.

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