Uma das palavras que António José Seguro tem
papagueado com aquele ar de quem tem tudo sob controle, qual iluminado para a
governação futura, é a reindustrialização do país. É curioso que Seguro tende a
invocar essa descoberta em resposta aos apelos ao crescimento que António Costa
tem, com pouca clareza, realizado.
Não sei que grupo de iluminados estará na origem
desta ideia que tanto deixa Seguro orgulhoso. Mas a forma algo superficial com
que a ideia é apresentada, conduzindo à formação de expectativas
inconsistentes, justifica que sobre ela se elabore uma crítica abrangente para
tentar colocar alguma ordem neste debate potencialmente emergente para as próximas
legislativas.
Em primeiro lugar, historicamente, convém
relembrar que têm falhado em Portugal os racionais estratégicos para uma
industrialização mais sustentada do país. É conhecido o falhanço total que
constituiu a tentativa de construir em torno das indústrias de base (que o
projeto de Sines nas suas primeiras modalidades visava intensificar) um racional
de industrialização para Portugal. Desde essa época temos assistido a uma forte
instabilidade de procura de fatores de sustentação, que já saltaram do apelo
aos recursos naturais para a rejeição dos chamados setores tradicionais,
passando pela miragem do “high-tech” transversal,
numa profunda instabilidade de orientações estratégicas. Foi necessário o relatório
Porter e a projeção do seu mentor para colocar a inteligência nacional em
sentido, sobretudo a que gira mais intensamente em torno da corte, e fazer o país
compreender que o essencial era aprofundar o que sabemos produzir e vender bem
em mercado internacional. A elite da corte foi obrigada a engolir que falar de
setores tradicionais já era, não digeriu totalmente a renúncia ao “high-tech” total e manteve sempre uma
grande desconfiança em relação a essa linha.
Depois, a globalização e as próprias regras do
mercado interno europeu vieram colocar em evidência a natureza fortemente
limitada das opções de industrialização de um país como Portugal, sobretudo
quando essas opções aspiram a construir a partir do zero, isto é, com novas
atividades, o perfil de especialização. Não pode ignorar-se que há atividades
emergentes na economia portuguesa (indústria de bens de equipamento, material
de transporte, eletrónica, química), mas daí a considerar que essas emergências
(largamente potenciadas pelos Fundos Estruturais e apoios ao investimento
privado) configuram um novo racional de industrialização é pura ingenuidade. É
isso que explica a permanente dissonância entre o que podemos ouvir nos
podcasts da TSF com reportagens sobre empresas inovadoras e a realidade das
estatísticas da indústria transformadora.
Em terceiro lugar, para poder falar-se de
reindustrialização, tem de ocorrer primeiro a chamada desindustrialização. A
este respeito deve lembrar-se que o processo observado em Portugal é bem menos
gravoso do que o que se observou noutros países europeus, como por exemplo a Itália.
Uma via de desindustrialização é imposta pela própria globalização e pela
destruição de atividades e empregos em empresas que não suportaram as novas
condições de competitividade. Em qualquer processo de mudança estrutural, essa
forma de desindustrialização existe sempre. O problema está na sua duração e em
saber se essa mudança estrutural traz novas atividades que possam considerar-se
industriais. Nem sempre isso acontece. Uma segunda e importante via de
desindustrialização ocorreu em Portugal por via do efeito perverso da transferência
de recursos para o setor dos serviços e não transacionável (setor imobiliário e
financeiro), cujas taxas de rendibilidade não sustentadas tenderam a retirar
capital da indústria (transacionável), atraído pelas elevadas taxas de lucro
dos não transacionáveis. Mesmo que os próprios não o queiram assumir, o governo
de Sócrates ficará irremediavelmente ligado a esse fenómeno.
Por mais que custe à elite da corte, os primeiros
sinais evidentes e bem sucedidos de luta contra a corrente da desindustrialização
começaram nas atividades pejorativamente designadas por essa elite de
tradicionais. O calçado liderou esse processo, mas também na têxtil-vestuário,
no agro-alimentar e na metalo-mecânica. Mas os resultados alcançados não serão
nunca suficientes para repor as quotas de emprego e de produto desses setores.
Acontecem ainda dois factos mais recentes que
deveriam fazer AJS moderar as suas expectativas de reindustrialização. Primeiro,
o setor público empresarial está hoje reduzido à sua ínfima expressão em termos
de atividades que possam alavancar por via pública o investimento empresarial
privado. As privatizações foram um golpe de morte nessa pretensão. Mesmo a
alavanca PT para as TIC gorou-se por completo com a inverosímil transformação da
empresa em empresa global, comida que foi essa possibilidade pela negociação
com a Oi. O filão das renováveis alavancado por uma EDP mais interveniente
parece irremediavelmente preso na questão das rendas da energia. Segundo, a
alavancagem por via do investimento direto estrangeiro (IDE) está também anémica.
Talvez a via dos serviços intensivos em conhecimento possa ter aqui algum
impulso.
Por fim, as opções do país não podem ignorar, não
como solução global mas como um dos vetores do perfil de especialização do país,
a fileira turismo-saúde com grande potencial de desenvolvimento em Portugal
atendendo às amenidades territoriais, ambientais e climáticas e os recursos
humanos avançados na área da saúde. Não se trata propriamente neste caso de
reindustrializar, mas de serviços intensivos em conhecimento.
Tenho acompanhado os trabalhos da Confederação do
Comércio e Serviços e estes têm mostrado que a percentagem dos serviços
transacionáveis nas exportações portuguesas não para de aumentar e não é de reindustrialização
que se trata.
Assim sendo, não perdendo de vista esta última
possibilidade, o combate à desindustrialização precoce tem em Portugal uma
aposta central que exige vontade política consistente e determinada, o sistema
de PME que se distribuem de uma forma extremamente clusterizada pelo país. Aí
está a chance de evitar a precocidade do desaparecimento das atmosferas
industriais. Esses complexos de PME veriam com forte agrado um reforço do IDE
capaz de alavancar os seus serviços. Mas para isso as regras da concorrência na
atração não são leves.
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