quinta-feira, 18 de setembro de 2014

ESTADO DE CITIUS OU A CRUZ DA JUSTIÇA



Talvez porque tantos sejam os ditos e contraditos que por aí correm acerca da “Reforma Judiciária” (novo mapa e encerramentos e secções de proximidade acima), lembrei-me hoje saudosamente do Professor Jorge Leite de Faria, esse estimado ex-docente de Direito na FEP que de uma forma tão peculiar quanto avisada abordava frequentemente os complexos e controversos meandros da coisa jurídica da seguinte e inesquecível forma: “Por uma banda, cozido [digamos assim para simplificar]; por outra banda, assado [idem]”.

Pois é. Após uma fase em que a ministra e os seus apaniguados só juraram ganhos – “esta reorganização introduz uma clara agilização na distribuição e tramitação processual, uma simplificação na afetação e mobilidade dos recursos humanos e uma autonomia das estruturas de gestão dos tribunais, que permitem e implicam a adoção de práticas gestionárias por objetivos, potenciando claros ganhos de eficácia e eficiência, em benefício de uma justiça de maior qualidade e mais consentânea com a realidade local” – e as entidades representativas do sector e as oposições partidárias protestaram insistentemente contra – “a partir do momento em que a escala seja aumentada tanto, tanto, tanto que afaste as populações do direito fundamental do acesso efetivo à justiça poderemos estar perante problemas de inconstitucionalidade” (a Associação Sindical de Juízes); “uma reforma tenebrosa”, “um afastamento dos tribunais em relação aos cidadãos”, “gravíssima repercussão na Justiça portuguesa”, “vai provocar o colapso de todo o sistema judicial”, “uma página negra que subverte por completo os princípios e os valores essenciais de um Estado de Direito” (a Bastonária da Ordem dos Advogados); “decisão atávica e tecnocrática” e o compromisso de que vai reabrir todos os tribunais quando for Governo (o PS), justiça em contentores e “medida tomada para agradar à Troika” (o PCP) –, o dia da implementação chegou e Paula Maria não perdeu tempo a louvar-se, lançando os foguetes, fazendo a festa e correndo atrás das canas.


Depois ter-se-á ausentado para parte incerta, deixando o secretário de Estado a tomar conta da loja. Só que as broncas estalaram em múltiplos sentidos (ver exemplos, mais ou menos arrepiantes, nas imagens e títulos noticiosos abaixo) e o encarregado viu-se obrigado a vir declarar que não existia ainda uma data fixa para o portal Citius voltar a funcionar, que estava a ser executado um planeamento tranquilo (“sabemos exatamente quais são as deficiências, conhecemos os problemas e temos já as chaves”) e que o Ministério emitiria um comunicado circunstanciado (deixando subentendido que tal ocorreria quando a ministra regressasse).



Quando Paula Maria deu de novo à costa, e a despeito dos milhões de processos inacessíveis e da berraria das queixas generalizadas, logo se lhe tornou visível que o Citius não instalara o caos nos tribunais. Apesar da situação a que, num “remake da estória do Novo Banco”, Manuel Serrão se referia no JN: “há uma espécie de Citius bom para os novos processos e um Citius mau para tudo o que já existia antes do nascimento do novo Citius”. Mas afinal, como Luís Afonso dubiamente ironizava, não é a Justiça simbolizada por uma deusa de olhos vendados?


(Luís Afonso, “Bartoon”, http://www.publico.pt)

P.S.: Este texto foi escrito antes das declarações da ministra do final da tarde, mas uma saída intempestiva para o jogo 200 do FCPorto na Liga dos Campeões levou a que não o postasse. Mas há males que vêm por bem e entretanto já pude assim assistir a uma cabisgante (i.e., meio cabisbaixa e meio arrogante) Paula Maria titubeando umas desculpazitas esfarrapadas, distinguindo caos e transtorno e não se eximindo a por algumas cabeças no cepo. Não me enganarei muito se prognosticar que este assunto ainda vai fazer sangue...

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