sexta-feira, 12 de setembro de 2014

FALEMOS DE QUANTITATIVE EASING



Mario Draghi está de novo nas bocas do mundo económico por ter passado ao ataque, concretizando o que anunciara para o universo dos banqueiros centrais de todo o mundo que tiveram a honra de um convite para o Simpósio de Jackson Hole e para os economistas académicos que aí participaram nas discussões sobre o mercado de trabalho pós Grande Recessão de 2007-2008.
Economistas e jornalistas pelam-se por inventar palavras que tenham a capacidade de os dispensar de juízos e explicações mais aprofundados. Desta vez, tendo em mentes os riscos que alguns analistas atribuem de “japonização” da economia europeia induzidos pelos seus riscos deflacionários, houve quem cunhasse este novo chegar-se à frente de Draghi de Draghinomics(Nouriel Roubini foi o padrinho), numa clara pretensão de manter o paralelo com a “Abeconomics”, política económica e monetário liderada pelo primeiro-Ministro japonês para combater a estagnação (deflacionária) vivida pela economia japonesa também na sequência dos acontecimentos de 2007-2008.
E, tal como já foi aqui abundantemente comentado neste blogue, os cidadãos europeus mesmo que o não queiram não podem deixar de se familiarizar com expressões que têm a moeda no centro de todas as reflexões. “Quantitative easing” é um grande palavrão, mas parece não haver dúvida de que, no estado atual da arte nas contradições e insuficiências do edifício do euro, por aí irão passar os próximos “rounds” de espevitamento das economias europeias. O primeiro golpe de Draghi em direção ao seu objetivo tem uma sigla enganosa, ABS (asset-backed securities). Não, não se trata de um travão à economia, como a sigla ABS poderia induzir o leitor mais sensível, mas antes pelo contrário do contrário, ou seja mais uma tentativa de que os bancos intensifiquem o crédito às economias dos países mais estagnados ou em recessão. Numa explicação mais intuitiva possível, o esquema ou programa de intervenção do BCE visa que os bancos aliviem os seus balanços vendendo empréstimos mais ou menos arriscados a agentes financeiros especializados na securitização, libertando-se dos riscos associados, cabendo ao BCE a missão de comprar posteriormente essas securities (títulos suportados pelos referidos empréstimos dos bancos às famílias e às empresas). As contradições do sistema levam o BCE a uma via algo tortuosa: na prática o BCE empresta a quem poderá emprestar. Em intervenções passadas, o BCE aceitava como colaterais estes mesmos títulos. Agora, vai comprá-los e por isso incrementar o seu balanço.
Charles Wyplosz, uma voz cada vez mais autorizada para ouvir com atenção e coautor de uma das mais consistentes propostas de reestruturação da dívida pública europeia, designada curiosamente de PADRE (Politically Acceptable Debt Restructuring in the Eurozone), ajuda-nos no VOX-Eu a compreender a tortuosidade deste assomo “draghiano” e, consequentemente, os riscos de que não seja ainda desta que “emprestar a quem pode emprestar” chegue ao alvo pretendido.
Wyplosz explica que o Quantitative Easing à moda europeia não pode ser considerado tradicional, pois não integra a compra de dívida pública securitizada. Sabemos porquê e Draghi é um atento observador das relações de força no BCE, onde os alemães e seus fiéis seguidores reportarão sempre para as calendas a possibilidade do BCE monetarizar a dívida pública. Mas as originalidades não ficarão por aqui. De acordo com os relatos conhecidos na imprensa internacional, Draghi estará a travar um braço de ferro com os governos e bancos centrais nacionais para que estes assumam os riscos dos empréstimos a securitizar mais duvidosos do ponto de vista do risco. Uma no cravo, outra na ferradura.
Mas o raciocínio de Draghi baseia-se no pressuposto de que os bancos não têm emprestado por falta de liquidez (daí fornecê-la abundantemente) e de que por esta via a securitização de empréstimos bancários vai intensificar-se. Claro que Draghi pensará, mas evidentemente não o diz, que os bancos poderão não emprestar porque em grande medida não há procura do mesmo por parte das empresas. Reconhecer essa possibilidade seria penoso, porque rapidamente se compreende que se for esse o caso a política monetária não chega, por mais arrojada e não convencional que ela seja. Mais tarde ou mais cedo, a política fiscal será chamada.
Wyplosz refere que, talvez no meio de tanta incerteza, a única consequência mais imediata seja o efeito que o aumento de liquidez vai provocar seja a depreciação do euro e, por essa via, talvez o mais provável impacto na economia real.
A seguir com cenas dos próximos capítulos.

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