Mario Draghi está de novo nas bocas do mundo económico
por ter passado ao ataque, concretizando o que anunciara para o universo dos banqueiros
centrais de todo o mundo que tiveram a honra de um convite para o Simpósio de
Jackson Hole e para os economistas académicos que aí participaram nas discussões
sobre o mercado de trabalho pós Grande Recessão de 2007-2008.
Economistas e jornalistas pelam-se por inventar
palavras que tenham a capacidade de os dispensar de juízos e explicações mais
aprofundados. Desta vez, tendo em mentes os riscos que alguns analistas
atribuem de “japonização” da economia europeia induzidos pelos seus riscos
deflacionários, houve quem cunhasse este novo chegar-se à frente de Draghi de “Draghinomics” (Nouriel Roubini foi o
padrinho), numa clara pretensão de manter o paralelo com a “Abeconomics”, política económica e monetário
liderada pelo primeiro-Ministro japonês para combater a estagnação (deflacionária)
vivida pela economia japonesa também na sequência dos acontecimentos de
2007-2008.
E, tal como já foi aqui abundantemente comentado
neste blogue, os cidadãos europeus mesmo que o não queiram não podem deixar de
se familiarizar com expressões que têm a moeda no centro de todas as reflexões.
“Quantitative easing” é um grande
palavrão, mas parece não haver dúvida de que, no estado atual da arte nas
contradições e insuficiências do edifício do euro, por aí irão passar os próximos
“rounds” de espevitamento das
economias europeias. O primeiro golpe de Draghi em direção ao seu objetivo tem
uma sigla enganosa, ABS (asset-backed securities).
Não, não se trata de um travão à economia, como a sigla ABS poderia induzir o
leitor mais sensível, mas antes pelo contrário do contrário, ou seja mais uma
tentativa de que os bancos intensifiquem o crédito às economias dos países mais
estagnados ou em recessão. Numa explicação mais intuitiva possível, o esquema
ou programa de intervenção do BCE visa que os bancos aliviem os seus balanços
vendendo empréstimos mais ou menos arriscados a agentes financeiros
especializados na securitização, libertando-se dos riscos associados, cabendo
ao BCE a missão de comprar posteriormente essas securities (títulos suportados
pelos referidos empréstimos dos bancos às famílias e às empresas). As contradições
do sistema levam o BCE a uma via algo tortuosa: na prática o BCE empresta a
quem poderá emprestar. Em intervenções passadas, o BCE aceitava como colaterais
estes mesmos títulos. Agora, vai comprá-los e por isso incrementar o seu
balanço.
Charles Wyplosz, uma voz cada vez mais autorizada
para ouvir com atenção e coautor de uma das mais consistentes propostas de
reestruturação da dívida pública europeia, designada curiosamente de PADRE (Politically Acceptable Debt Restructuring in the
Eurozone), ajuda-nos no VOX-Eu a compreender a tortuosidade deste
assomo “draghiano” e,
consequentemente, os riscos de que não seja ainda desta que “emprestar a quem
pode emprestar” chegue ao alvo pretendido.
Wyplosz explica que o Quantitative Easing à moda europeia não pode ser considerado
tradicional, pois não integra a compra de dívida pública securitizada. Sabemos
porquê e Draghi é um atento observador das relações de força no BCE, onde os
alemães e seus fiéis seguidores reportarão sempre para as calendas a
possibilidade do BCE monetarizar a dívida pública. Mas as originalidades não
ficarão por aqui. De acordo com os relatos conhecidos na imprensa
internacional, Draghi estará a travar um braço de ferro com os governos e
bancos centrais nacionais para que estes assumam os riscos dos empréstimos a
securitizar mais duvidosos do ponto de vista do risco. Uma no cravo, outra na
ferradura.
Mas o raciocínio de Draghi baseia-se no
pressuposto de que os bancos não têm emprestado por falta de liquidez (daí
fornecê-la abundantemente) e de que por esta via a securitização de empréstimos
bancários vai intensificar-se. Claro que Draghi pensará, mas evidentemente não
o diz, que os bancos poderão não emprestar porque em grande medida não há
procura do mesmo por parte das empresas. Reconhecer essa possibilidade seria
penoso, porque rapidamente se compreende que se for esse o caso a política
monetária não chega, por mais arrojada e não convencional que ela seja. Mais
tarde ou mais cedo, a política fiscal será chamada.
Wyplosz refere que, talvez no meio de tanta
incerteza, a única consequência mais imediata seja o efeito que o aumento de
liquidez vai provocar seja a depreciação do euro e, por essa via, talvez o mais
provável impacto na economia real.
A seguir com cenas dos próximos capítulos.
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