Entramos na última semana do resto da vida do Partido Socialista. Razão pela qual não será excessivo que aqui ainda se perca mais algum tempo a situar muito do que está em causa nessa disputa entre Seguro e Costa, cujo primeiro resultado conclusivo surgirá já no próximo dia 28. Reabro hoje, então, as hostilidades.
Começo sob a inspiração casual do último artigo de Manuel Villaverde Cabral (MVC) no “Observador” (cujo título replico neste post). Diga-se de passagem que já houve tempos, lá muito atrás, em que considerava inatacável o brilho académico e intelectual de MVC e em que me revia em quase tudo o que ele ia produzindo (em livro ou na “Análise Social”, nomeadamente) – alguns textos de apoio distribuídos aos nossos alunos da FEP são disso a melhor das provas; depois, e ignoro o que lhe aconteceu ao certo, fui achando que ele estava crescentemente a sair dos carris e a perder o foco, às vezes até as estribeiras, embora não abandonando o culto da liberdade de pensamento, a coragem para abordar as questões de frente e algum fulgor analítico. Mas adiante, porque MVC não é o tema mas apenas o autor do seu pretexto.
E o tema é o de uma genuína preocupação que me assalta. Recorro a um excerto de MVC para melhor a situar: “É minha convicção que, além da inflação de ataques e contra-ataques, alguns bastante venenosos, estas ‘primárias’ dirigidas a qualquer um que se intitule ‘simpatizante’ de um partido, especialmente numa conjuntura económica e financeira tão delicada como a atual, surgem aos olhos da grande maioria dos eleitores como mais uma falsa partida. Num sentido muito preciso e que não diz apenas respeito ao PS mas sim ao sistema partidário em geral. Ou seja, estas ou quaisquer outras eleições deste género, com difusão televisiva e cobertura mediática incessantes, têm a consequência automática de criar falsas expectativas.”
(Dwayne Booth, “Mr. Fish”, http://www.truthdig.com)
A meu ver, a questão é séria, muito séria mesmo. Trabalho, esforço, preparação, projeto, ética, diz Seguro dando o tom e insistindo na centralidade do seu “contrato de confiança” – um afã de propositura que não pode deixar de prevalecer dado um dominador enquadramento mediático com que se confrontam as candidaturas? Um afã também inescapável para Costa, que recusou ser este um momento para programas mas já deixou cair um valor para a atualização do salário mínimo? Ou semelhanças apenas formais e aparentes, relevando da estrita dimensão tática de uma estratégia outra? Poderá ser esse o significado último da “agenda para a próxima década” que Costa contrapõe?
Porque, por muito que me engane, há uma coisa que tenho por adquirida: o empobrecimento, canhestramente veiculado por Passos, veio para ficar ou, dito de outro modo, muito do que se perdeu perdido está, não tem remissão. E é daí que provém a tal angústia que me invade, dessa dúvida por esclarecer quanto a se um dos contendores tem uma consciência verdadeira do “aqui” e do “agora” para sobre ela poder recomeçar, lenta mas firmemente, a reconstruir um futuro e uma esperança para Portugal e os portugueses. Porque, explicito-o talvez melhor, ser líder do PS “aqui” e “agora” não passa por prometer renovadas razões de ilusão e faz de conta, antes implica vir confessar quão tremenda e complexa é a situação em que o país está mergulhado e mostrar-se motivado e determinado para a encarar frontalmente e peça por peça...
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