Um simples acaso de arrumação de armários e estantes
colocou-me nas mãos o estudo que coordenei para o Instituto Damião de Góis, já
extinto, “A Economia Subterrânea e o Exercício da Política Económica e Social
em Portugal” em 1985. O folhear afetivo da publicação colocou-me perante um
excerto que fiz na altura questão que abrisse a obra. A passagem provém de uma
das obras mais marcantes que li e da mais legítima representante do pensamento
a norte. A obra é Sebastião José da Imprensa Nacional (1984) e a autora é
Agustina Bessa Luís.
Trinta anos depois não resisto a reproduzir
aquele excerto:
“A Europa das capitais é também a Europa das contradições.
Em Portugal, com o desaparecimento de D. João V e a queda do seu Ministério
sustentado na apertada malha duma rotina fixada no traço histórico dos velhos
regimes, que é a incoerência com o seu próprio modelo social, surge em traços
largos a realidade histórica: falsificações como a do peso do tabaco,
contrabandos do ouro e da pimenta, e do açúcar, a miséria extrema das populações,
a situação duma nobreza confinada aos seus privilégios que não cuidou de
referenciar pelos atributos duma burguesia ascendente; os criados não são pagos
há mais de dez anos, grassa um descontentamento atalhado pelo ambiente promíscuo
entre a desonra da dívida e a exigência do credor. O Reino podia aguentar-se indefinidamente
nessa desordem apática, mercê do consenso que pode haver no desrespeito pelas
leis e o acordo sentimental entre os que se agravam mutuamente. A crise económica
não chegava a atingir profundamente as infra-estruturas morais da Nação, que
era difusa, e onde prevalece a desconfiança pelo discurso político e a sensibilidade
ao fator de lucro imediato. Deter o contrabando e deter a própria história de
aproveitamento descondicionado à teoria oral do comportamento humano, seria
tarefa gigantesca e quase irreal.”
In Sebastião José, página 64
: Imprensa Nacional, 2ª edição, 1984.
A história no seu esplendor e uma profunda
saudade pelos deuses não nos proporcionarem uma eterna Agustina. 30 anos e
parece que o tempo deixou a citação envolta numa proteção estranha.
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