segunda-feira, 15 de setembro de 2014

UMA CITAÇÃO COM 30 ANOS



Um simples acaso de arrumação de armários e estantes colocou-me nas mãos o estudo que coordenei para o Instituto Damião de Góis, já extinto, “A Economia Subterrânea e o Exercício da Política Económica e Social em Portugal” em 1985. O folhear afetivo da publicação colocou-me perante um excerto que fiz na altura questão que abrisse a obra. A passagem provém de uma das obras mais marcantes que li e da mais legítima representante do pensamento a norte. A obra é Sebastião José da Imprensa Nacional (1984) e a autora é Agustina Bessa Luís.
Trinta anos depois não resisto a reproduzir aquele excerto:
A Europa das capitais é também a Europa das contradições. Em Portugal, com o desaparecimento de D. João V e a queda do seu Ministério sustentado na apertada malha duma rotina fixada no traço histórico dos velhos regimes, que é a incoerência com o seu próprio modelo social, surge em traços largos a realidade histórica: falsificações como a do peso do tabaco, contrabandos do ouro e da pimenta, e do açúcar, a miséria extrema das populações, a situação duma nobreza confinada aos seus privilégios que não cuidou de referenciar pelos atributos duma burguesia ascendente; os criados não são pagos há mais de dez anos, grassa um descontentamento atalhado pelo ambiente promíscuo entre a desonra da dívida e a exigência do credor. O Reino podia aguentar-se indefinidamente nessa desordem apática, mercê do consenso que pode haver no desrespeito pelas leis e o acordo sentimental entre os que se agravam mutuamente. A crise económica não chegava a atingir profundamente as infra-estruturas morais da Nação, que era difusa, e onde prevalece a desconfiança pelo discurso político e a sensibilidade ao fator de lucro imediato. Deter o contrabando e deter a própria história de aproveitamento descondicionado à teoria oral do comportamento humano, seria tarefa gigantesca e quase irreal.”
In Sebastião José, página 64 : Imprensa Nacional, 2ª edição, 1984.
A história no seu esplendor e uma profunda saudade pelos deuses não nos proporcionarem uma eterna Agustina. 30 anos e parece que o tempo deixou a citação envolta numa proteção estranha.

Sem comentários:

Enviar um comentário