Como previa, a aqui comentada intervenção de
Mario Draghi, em Jackson Hole, sobretudo pelo seu confronto com discursos de
outros banqueiros centrais com um mandato bem mais alargado do que o do BCE,
tem suscitado imensas réplicas. E houve um pequeno pormenor que me escapou na
apresentação do Presidente do BCE. Li o texto do discurso que ficou disponível
no dia da intervenção na página do BCE, mas segundo relatos jornalísticos
posteriores, a intervenção de Draghi numa certa altura do discurso fugiu ao
texto, o que suscitou imensas interpretações. Nessa fuga ao texto, Draghi
lançou para o mundo uma nova edição do “farei tudo o que for necessário” que é
muitos entendida como o decisivo fator de acalmia dos juros da dívida pública
na periferia sob ou ameaçada por resgate. Desta vez, Draghi usou uma fórmula do
tipo “utilizaremos todos os instrumentos disponíveis para assegurar a
estabilidade dos preços a curto prazo”. Como é óbvio, a estabilidade a que
Draghi agora se refere é inversa da que os “inflação-fóbicos” esperariam. Desta
vez, são os riscos deflacionários e da “armadilha da liquidez” que começam a
preocupar finalmente o líder do BCE, na expressão de outros a “japonização “ da
economia europeia.
Mas de volta ao texto, o que se torna
interessante é combinar a fuga atrás referida com os lamentos que habilmente
Draghi espalhou pela sua intervenção sobre as dificuldades europeias em manejar
a política fiscal (orçamental). Dificuldades que são de dois tipos: as que
resultam da inexistência de um verdadeiro orçamento europeu que se veja em função
da sua dimensão de bloco económico e da falta de harmonização fiscal e as que
decorrem da fobia alemã ao expansionismo fiscal. No primeiro semestre de 2014,
a Alemanha apresentou o saldo orçamental superavitário mais elevado da sua história posterior à reunificação, cerca de 16 mil milhões de euros.
Ora, de acordo com algumas interpretações já
depois alguns dias da intervenção de Draghi, sugere-se que Draghi estará a
manobrar nas instituições europeias para conseguir uma espécie de três em um
que convença as autoridades alemãs: “quantitative
easing” (uso expressivo da política monetária tentando que finalmente os
bancos intensifiquem a oferta de crédito à economia), algum estímulo fiscal
(sobretudo em Itália e França) com flexibilização da ameaça do pacto orçamental
e algumas reformas estruturais também em França e Itália para convencer os
adversários do estímulo fiscal. Gavyn Davies, hoje no Financial Times, vai
nessa direção e a própria Claire Jones também no Financial Times dá conta dessa
possibilidade. É um assunto que interessa a Portugal, mesmo que pouco o
possamos influenciar. A seguir com atenção.
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