(Eva Vásquez,
http://elpais.com)
O “Policy Network” (PN) é um think-tank europeu que tem as suas origens no trabalhismo britânico e desenvolve uma muito meritória atividade de reflexão, debate e divulgação em torno de posições políticas progressistas, social-democratas, de esquerda e criticamente pró-europeias.
Na introdução de uma das suas últimas publicações, de autoria coletiva e orientada para os modos possíveis de esta área política enfrentar positivamente as mudanças e tendências sociais emergentes num mundo altamente complexo (terciarização da economia, revolução de género, desigualdades e envelhecimento, designadamente), o PN elabora em torno do que designa por “sociedade 5-75-20”.
De que se trata? Em termos sintéticos, de identificar uma tendência dominante das economias ocidentais mais desenvolvidas nas últimas décadas (independentemente da existência de algumas especificidades na estrutura de classe), assim traduzível: no topo, e com um peso correspondente a qualquer coisa como 5% da população, um conjunto de beneficiários de retornos em descontrolado aumento (profissionais da finança e do imobiliário, elite corporativa, empresários de sucesso e herdeiros de riqueza e ativos patrimoniais); no meio, equivalendo a cerca de 75% dos cidadãos, uma larga maioria de profissionais e trabalhadores ou aposentados com rendimento crescentemente preocupados com a evolução em perda do seu nível de vida e/ou com o futuro (próprio e das famílias a montante e a jusante); na base, em torno de 20% das pessoas debatendo-se num ciclo vicioso de salários baixos, trabalho irregular, desemprego e um acesso limitado a referenciais de bem-estar.
O outro lado decisivo da questão colocada pelos pensadores do PN decorre do facto de residir naquela “nova maioria” de “novos inseguros” (menos possibilidades, menos oportunidades, mais incerteza, menores rendimentos, mais precariedade) a mais significativa das mudanças sociais (o acelerado esbatimento de uma classe média vivendo em condições de significativo grau de segurança) e o destinatário estratégico do grande desafio político do nosso tempo de forjar uma identidade social-democrata que seja capaz de evitar qualquer tentação de retorno a uma “social-democracia defensiva ou conservadora” (dando resposta, através de políticas públicas renovadas e adequadas, aos alvos eleitorais preferidos do neopopulismo sem necessariamente desatender aos 20% mais fustigados).
Porque, sublinham os autores, uma maioria governativa estável “não pode ser construída com base no simples apelo aos 20% de baixo, mesmo acrescentados os votos de uma classe média altruísta”, nem através de “uma estratégia de redistribuição a partir da elite”, antes exige “algo mais radical do que uma redistribuição compensatória”. Ou, dito de outra forma, “seria um erro para os social-democratas tornarem-se sobre-obcecados com esta comunitária/cosmopolita linha divisória [no eleitorado progressista potencial]”, sendo “cosmopolitas” os vencedores da globalização (os trabalhadores de maiores níveis educacionais e de mobilidade) e “comunitários” os que se veem como os “derrotados” da passagem de uma “idade dourada” a uma “economia de ampulheta” (os restantes trabalhadores, mais agarrados à defesa do Estado social e de modos de vida tradicionais e encarando a globalização, a mudança social e a pertença à UE como uma ameaça e não uma oportunidade).
E insistem: “está a abrir-se um novo quadro de conflitos distributivos e de aprofundamento da insegurança que abre um enorme espaço à social-democracia” e “o imperativo político é os social-democratas terem de inventar novas políticas sociais que apelem aos 75% (e ao mesmo tempo beneficiem os 20% de baixo) em vez de fazerem da desigualdade top-bottom a base do seu apelo ou de alocarem recursos subrepticiamente para baixo”. Para concluírem: “Escrever um contrato justo para os ‘novos inseguros’ depende da capacidade do centro-esquerda para politizar e conduzir uma estratégia assente numa reforma pré-distributiva e numa governação multinível” que apoiem os mais necessitados da sociedade, mantenham a concordância em torno da segurança social universal, gerem o crescimento imprescindível ao investimento em bens públicos e assegurem uma economia e uma sociedade dinâmicas.
Todo um desafiante labor, este da procura de uma agenda programática inovadora e viável, equilibrada e transformadora, em nome de um futuro decente...
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