segunda-feira, 15 de setembro de 2014

NOVO BANCO, VELHO BENTO (II)


Recebi, através de um correio eletrónico enviado pelo meu companheiro de blogue, um comentário de A. Oliveira das Neves (AON) acerca do meu post “Novo Banco, Velho Bento” e que o signatário, não tendo conseguido inserir no espaço próprio, indicava como ótimo se mo fizesse chegar. Reproduzo-o de seguida:

Ainda que prometedor, o comentário é curto e suscita muitas interrogações num terreno que, dia após dia, se revela bastante opaco. Se ocorreu um ajustamento de mandato que altera os termos da aceitação de responsabilidades por parte da Administração, se a urgência do BdP em livrar-se do monstro que gerou tudo atropela, …, haverá determinação que resista?

Verdade seja que o “timming” é uma verdadeira carga de trabalhos, no mesmo fim de semana em que arranca a operação reabilitação Salgado, com alguns apoios surpreendentes, entre pagamento de favores e ajustes de contas. A procissão ainda está a montar os andores.

Agradeço a AON a atenção que pelos vistos nos vai dispensando e as interrogações que, consequentemente, o meu texto lhe suscitou. Passo então a explicar-me melhor, começando pelos factos públicos e notórios: Bento, Rato e Honório foram cooptados como administradores do BES após o Banco de Portugal (BdP) ter determinado, em 13 de julho passado, a convocação urgente de uma reunião extraordinária do respetivo Conselho de Administração nesse sentido (posteriormente ratificada em Assembleia Geral do BES, realizada no dia 31 de julho); em 3 de agosto, o BdP deliberou aplicar ao BES uma medida de resolução, transferindo de forma imediata e definitiva a generalidade da atividade e do património do BES para um “Novo Banco” (NB), devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos; com esta resolução do BES terão resultado invalidadas algumas das expectativas subjacentes à anuência dos três novos administradores para aquela cooptação, mas os mesmos terão aceitado continuar na administração do NB apesar dessas alterações de mandato; em 13 de setembro, os três administradores esclareceram em comunicado que haviam decidido renunciar aos cargos que desempenhavam “apenas porque
 as circunstâncias alteraram profundamente a natureza do desafio com base no qual
aceitáramos esta missão em meados de Julho”. Síntese das sínteses: ou as ditas circunstâncias já se tinham alterado a 3 de agosto com a deliberação de resolução do BES e os três, estranhamente, só agora e tardiamente o perceberam ou os três entenderam a 3 de agosto que as circunstâncias não se tinham então alterado significativamente e só depois algo ocorreu para que as circunstâncias chegassem ao ponto de os levar à renúncia.

Acontece que, como referenciou o BdP desde a abertura do processo de resolução, aquela capitalização do NB obedeceu a uma lógica legal perfeitamente estrita e definida. Citando: “Em consonância com o normativo comunitário, a capitalização do Novo Banco é assegurada pelo Fundo de Resolução, suportado pelo setor financeiro e as perdas relacionadas com os ativos problemáticos serão suportadas pelos acionistas e credores subordinados do Banco Espírito Santo, S.A.. Tal significa que esta operação não envolve custos para o erário público.

Esta medida garante a continuidade da atividade da instituição e é a que melhor protege os depositantes e demais clientes da instituição e a estabilidade financeira.” Portanto, e como é óbvio, a injeção de 4,9 mil milhões de euros por parte do Fundo de Resolução tornava a operação dotada de um elevadíssimo grau de melindre, designadamente no tocante às condições suscetíveis de conduzir à observância efetiva de uma situação de neutralidade para os contribuintes; daí que fosse praticamente nula a margem de manobra do BdP quanto à prioridade, que esteve sempre implícita nos seus considerandos pós-resolução: encetar um processo de rápida venda do NB.

Ou seja: todo este quid pro quo teve a ver com uma gente que, num misto muito próprio de ingenuidade e sobranceria, tem um entendimento salvífico das suas alegadamente inigualáveis capacidades técnico-estratégicas de gestão e/ou da uniqueness da importância da sua presença no seio da sociedade portuguesa. Afinal, uma gente bem cavaquista que, respaldada pela ideia que foi fazendo passar de que assumira o cargo por “dever patriótico”, se preparava sobretudo para ficar na sua e nossa história financeira através do turnaround que iria conseguir concretizar no NB. 

Dito isto quanto ao assunto propriamente dito que aqui agora nos ocupa, acontece também que a covarde atitude governamental em nada facilita a tarefa de Carlos Costa, o qual teve afinal a hombridade de permitir que recaíssem sobre si os principais ónus de um processo que mais ninguém com responsabilidades institucionais poderia ter enfrentado tão airosamente naquela conjuntura. Neste quadro, saber se estivemos perante um homem certo no lugar certo ou um homem errado no lugar errado é uma mera questão de perspetiva em que uns sublinharão os excessos de voluntarismo, ou até de ambição, e outros preferirão salientar o generoso patriotismo da missão assumida. Não confundamos todavia a mensagem com o mensageiro, nem aproveitemos para tapar o sol com a peneira quando as coisas estão indiscutivelmente complicadas e correm cada vez mais o risco de poder vir a acabar mal...

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